sábado, 5 de março de 2011

Auto-inquirição



Ramana Maharshi

Discípulo – Como uma pessoa realiza o Eu superior?

Maharshi – O Eu superior de quem? Descubra.

D – O meu, mas quem sou eu?

M – Descubra você mesmo.

D – Não sei como.

M – Pense a respeito. Quem é que diz “Não sei”? Quem é o “eu” na sua afirmação? O que não é sabido?

D – Alguém ou algo em mim.

M – Quem é esse alguém? Em quem?

D – Talvez alguma força.

M – Descubra.

D – Por que eu nasci?

M – Quem nasceu? A resposta é a mesma para todas as suas perguntas.

D – Então, quem sou eu?

M – (Sorrindo) Você veio para me interrogar? Você é que tem de dizer quem é você.

D – Não importa o quanto tente, sinto que não capto quem é o “eu”. Ele nem sequer é perceptível.

M – Quem é que afirma que o “Eu” não é perceptível? Existem dois “eus” em você, sendo que um não percebe o outro?

D – Em vez de indagar “Quem sou eu?”, posso formular a pergunta “Quem é o senhor?” para mim, pois assim a minha mente poderá fixar-se no senhor, que eu considero ser Deus na forma de um Guru. Talvez eu fique mais próximo do objetivo da minha busca através dessa inquirição do que perguntando-me “Quem sou eu?”.

M – Não importa que forma assuma a sua inquirição, você acabará chegando ao único “Eu”, o Eu superior. Todas estas distinções entre “eu” e “você”, entre Mestre e discípulo, etc., são apenas um sinal de desconhecimento. O “Eu” supremo apenas é. Pensar de outro modo é o mesmo que iludir-se.

Uma história dos Puranas sobre o Sábio Ribhu e seu discípulo Nidagha é particularmente instrutiva a este respeito.

Embora Ribhu tenha ensinado a seu discípulo a Verdade suprema do Brahman¹ único sem segundo, Nidagha, não obstante sua erudição e compreensão, não se convenceu o suficiente a ponto de adotar e seguir o caminho de jnana², mas estabeleceu-se em sua cidade natal a fim de levar uma vida devotada à observância da religião cerimonial.

Contudo, o Sábio amava seu discípulo tão profundamente quanto este venerava seu Mestre. A despeito de sua idade, Ribhu foi em pessoa ao encontro do discípulo na cidade, apenas para ver se este último superara o ritualismo. Às vezes, o Sábio disfarçava-se, para observar como Nidagha agia quando sabia que não estava sendo observado pelo Mestre.

Disfarçado de camponês, Ribhu encontrou Nidagha observando atentamente uma procissão real. Não tendo sido reconhecido pelo morador da cidade Nidagha, o camponês indagou sobre aquele alvoroço, e disseram-lhe que o rei participava de um cortejo.

“Oh! É o rei. Ele está participando de um cortejo.” “Mas onde está ele?”, indagou o camponês.

“Lá, montado no elefante”, disse Nidagha.

“Você diz que o rei está montado no elefante. Sim, vejo os dois”, redargüiu o camponês. “Mas quem é o rei e quem é o elefante?”

“O quê!”, exclamou Nidagha. “Você vê os dois e não sabe que o homem, que está em cima, é o rei e que o animal, que está embaixo, é o elefante? De que vale falar a um homem como você?”

“Rogo-lhe que não seja impaciente com um homem ignorante como eu”, implorou o camponês. “Mas você disse ‘em cima’ e ‘embaixo’ – o que significam essas expressões?”

Nidagha não se conteve mais. “Você vê o rei e o elefante, um em cima e outro embaixo. Entretanto, quer saber o que significa ‘em cima’ e ‘embaixo’?”, explodiu Nidagha. “Se as coisas vistas e as palavras ditas significam tão pouco para você, só a ação pode ensiná-lo. Curve-se e saberá muito bem.”

O camponês fez o que lhe fora ordenado. Nidagha subiu em seus ombros e disse: “Agora você sabe. Eu estou em cima, como o rei, você está embaixo, como o elefante. Está claro?”

“Não, ainda não”, foi a resposta tranqüila do camponês. “Você diz que está em cima como o rei, e eu, embaixo como o elefante. O ‘rei’, o ‘elefante’, ‘em cima’, ‘embaixo’, até aí está claro. Mas peço-lhe que explique: o que quer dizer com ‘Eu’ e ‘você’?”

Quando Nidagha subitamente viu-se diante do profundo problema de definir o “você” separado do “eu”, sua mente clareou. Saltou imediatamente das costas do camponês e caiu a seus pés, dizendo:

“Quem mais senão meu venerável Mestre, Ribhu, poderia iluminar assim minha mente, retirando-a da superficialidade da existência física e trazendo-me o verdadeiro Ser do Eu superior? Oh, bom Mestre, imploro a sua bênção.”

Portanto, enquanto seu objetivo consiste em transcender aqui e agora as superficialidades da existência física por meio de atma-vichara³, onde está o espaço para distinguir entre “mim” e “você”, se elas pertencem apenas ao corpo? Quando você volta sua mente para o interior, buscando a Fonte do pensamento, onde está o “você” e onde o “eu”?

Você deve buscar e ser o Eu superior que tudo inclui.

¹ Brahman: o Eu superior Universal
² jnana: conhecimento
³ atma-vichara: inquirição do Eu superior

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