segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Sob o poder de um novo deus


O mercado é o deus do mundo pós-moderno, diz o filósofo francês Dany-Robert Dufour. Não, ele não usa uma metáfora, mas faz uma afirmação literal. "É preciso não esquecer que o mercado não é uma invenção dos mercadores, mas de teólogos", afirma. "O que era justamente o caso de Adam Smith, como hoje se sabe."

A reportagem é de José Castello e publicada pelo jornal Valor, 14-08-2009.

O economista e filósofo escocês Adam Smith (1723-1790) foi o primeiro a falar a respeito de uma "mão invisível" que levaria o mercador ou negociante a, mesmo sem decidir isso, "fazer o bem". Afirma Dufour: "A expressão que emprego - o divino mercado - não é uma metáfora, ela deve ser entendida literalmente: está postulado que existe uma religião natural". De acordo com ela, não é preciso ceder à santidade; basta deixar agir o interesse privado.

"O Divino Mercado" é justamente o título do mais recente livro de Dany Dufour (Companhia de Freud, tradução de Procópio Abreu). Nesse novo ensaio, Dufour, que é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris VIII e diretor de programa no Colégio Internacional de Filosofia, desenvolve algumas das teses já tratadas em "A Arte de Reduzir as Cabeças", estudo sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal (Companhia de Freud, 2005, tradução de Sandra Regina Felgueiras). Como pano de fundo dos dois livros, os efeitos da grave crise econômica que sacode o planeta.

Por que um filósofo se interessa pelo estudo da sociedade ultraliberal contemporânea? O motivo é simples: no seu entender, o salto do liberalismo clássico para a sociedade ultraliberal produziu, além de mudanças radicais na realidade econômica e social, uma drástica alteração na noção de sujeito. Ela mudou os parâmetros a partir dos quais o sujeito se constitui.

"As mudanças na economia mercantil não são tão inócuas para a economia psíquica", diz Dufour. Mudou a economia, mudou o sujeito que nela se movimenta. O antigo sujeito que chegava aos consultórios de psicanálise era, em geral, um indivíduo "crítico e neurótico", isto é, guiado pelo desejo de compreender e pela retenção de suas pulsões. Problemas que levava para seu analista.

Afirma Dufour: "O novo sujeito que hoje se apresenta é acrítico e pós-neurótico". Compreender não lhe interessa mais, é algo que, antes disso, o entedia. O mercado promete atender a cada um de seus apetites - logo, em vez de reter as pulsões, ele as "resolve" com o vício, o mais frequente deles por drogas. Esse novo sujeito, acrescenta Dufour, "é levado a adotar condutas perversas (instrumentação do outro em função de seus gozos e interesses pessoais)". E, consequência final, "se ele não consegue fazer isso, ele se deprime, o que acontece frequentemente".

Drogas, perversão, depressão - marcas de um novo sujeito, figura típica de um mundo onde os padrões de regulação social se enfraqueceram ou desapareceram. Cenário despedaçado, nos sugere Dufour, que levou à grave crise financeira de hoje. O novo sujeito, além de tudo, habita um presente contínuo e imóvel. Argumenta Dufour que a nova religião do mercado "deixa um vazio quanto ao velho tormento humano da origem e do fim".

Na nova vida ultrapragmática de hoje - extremo paradoxo - há um aumento da necessidade de transcendência. Essa necessidade, alerta o filósofo, "pode permanecer dentro dos limites do razoável, mas pode ir até os delírios fundamentalistas". Não é por acaso, portanto, que o fundamentalismo de vários matizes se espalha pelo planeta; sua disseminação é o avesso de um vazio que a nova realidade do mercado acentua. É o vazio criado pelo deus mercado que exacerba a onda fundamentalista. Ela não passa de sua contrapartida. Assim como a ascensão dos dogmas é o avesso do desprestígio do pensamento crítico.

Acredita Dufour que muitos dos mais graves problemas contemporâneos estão associados a esse novo deus. Por exemplo, os escândalos de corrupção que ocupam, cada vez com mais frequência, as manchetes dos jornais. Afirma ainda que a corrupção - ao contrário do que em geral acreditamos - não pode mais ser vista na perspectiva da psicologia individual, como um desvio de conduta ou uma expressão da maldade. A corrupção, ele diz, é hoje um problema que está muito além do caráter e da moral.

"Como querer que um sistema que tem como fundamento o princípio do egoísmo não suscite inúmeras formas de corrupção?", Dufour pergunta. Para ele, a atual crise financeira fez "desabar um mito mantido cuidadosamente pela narrativa ultraliberal: aquele que afirma ser preciso distinguir os negócios saudáveis dos negócios suspeitos".

É evidente: não que todo mercado seja sujo e todo negócio, digno de desconfiança. "Nenhuma pessoa séria pode ser contra o mercado em geral", o filósofo argumenta. "Pela simples razão de que o mercado é como o pulmão: é por onde as pessoas respiram." Recorda Dufour, a propósito, a beleza de dois tradicionais mercados que visitou recentemente: o de Tepoztlán, no México, e o da Medina de Fez, no Marrocos. "Por que eles são tão bonitos? Simplesmente porque neles a economia está inserida no social." Em todos os tempos, acrescenta, o mercado soube integrar o princípio altruísta que dá à cultura o seu lugar.

Ao contrário, o que caracteriza o mercado da era ultraliberal é a destruição das culturas. "Ele é, abertamente, a promoção da anomia [a ausência de leis], a suspensão das interdições e de tudo o que possa interpô-las ao ímpeto dos apetites." Para Dufour, essas mudanças não só produzem um novo sujeito, obsessivo, perverso e deprimido, mas põem profundamente em questão a própria civilização.
Diz ainda Dany Dufour que, no mundo ultraliberal de hoje, "a distinção entre dois mundos, um perverso e outro moral, não somente não se sustenta como se trata de um puro trompe-l'oeil, ilusório e mentiroso". Não se trata de um problema de caráter ou da maldade deste ou daquele agente econômico em particular. Não é um problema pessoal, mas um problema estrutural.

Pensando novamente na crise econômica de agora, lembra Dufour que em 2000, nos Estados Unidos, eram lavados, a cada dia, cerca de US$ 1 milhão "provenientes de máfias diversas". Número que representava entre dois terços e a metade dos investimentos estrangeiros diretos. "O produto criminal bruto, no ano 2000, ultrapassava em muito 1 bilhão de dólares anuais, ou seja, 20% do comércio mundial." Para agravar a situação, a atividade econômica oficial pôs-se a fornecer, ela também, uma massa de capitais suspeitos.

Comenta Dufour: "Esses capitais corrompidos provêm de uma série de atividades bastante difundidas em grandes empresas, tal como demonstraram vários escândalos recentes". E enumera exemplos: cartéis, dumping, vendas forçadas, especulação, absorção e desmonte de concorrentes, balancetes falsos, manipulação de contabilidade, fraudes e evasão fiscal, desvios de créditos públicos, etc.

Lembra ele ainda - e a crise atual aí está como prova - que "o último estágio da dominação do capital financeiro sobre o capital industrial consistiu em diversas montagens de operações financeiras ultra-arriscadas, como o empréstimo em grande escala de dinheiro inexistente a pessoas que não tinham como pagar suas dividas". A desordem se instalou, a anomia tomou conta do mercado, e a crise que hoje enfrentamos se tornou inevitável.

Analisa: "Trata-se de um momento de regressão sem precedentes". Constatação que não o impede, porém, de conservar algum otimismo. Diz Dufour que aos indivíduos resta, em vez de consumir obsessivamente os objetos manufaturados que lhe prometem a felicidade, "trabalhar para desenvolver o objeto singular que só ele pode produzir". O investimento no singular se torna fundamental para a sobrevivência do indivíduo e para o desenvolvimento de uma comunicação viva com os outros homens.
A produção desses objetos singulares, seja na literatura, na música, na psicanálise, etc. -, "ainda são remédios, ou antídotos, à produção de indivíduos estandardizados", sugere. Ajuda a compreender que temos apenas uma vida e que, melhor do que permitir que ela seja manipulada, é "dar a essa única manhã de primavera, como dizia o filósofo, um sentido ou um sabor que só você pode dar".

Ministrando conferências pelo mundo, como a que pronunciou no dia 8 a convite do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, Dany Dufour tem ouvido, muitas vezes, que suas ideias colocam em palavras claras o que as pessoas hoje sentem de modo confuso. "Essa consciência de uma ameaça planando sobre nós existe. As pessoas esperam novas maneiras de reagir, distantes dos esquemas do passado, como 'a grande noite', 'a revolução' ou o que seja mais."

Em resumo: a expansão do divino mercado exige a produção de novas posições críticas e de novas estratégias que abandonem os velhos modelos de contestação e tenham a coragem de encarar o presente.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A experiência fora do corpo (EFC)



PROVA DA VIDA APÓS A MORTE


Por Scott Rogo

O capitão Burton, inglês, morreu de um ataque do coração. Pelo menos foi o que pensaram os médicos. Mas ele sobreviveu ao ataque e viveu ainda muitos anos depois de sua "morte", sobre a qual contava uma história estranha: "Encontrei-me de pé ao lado de minha cama, olhando para mim mesmo e para o médico, sentindo-me muito bem, ainda que surpreso. De súbito fui violentamente puxado para a cama, por cima da qual flutuei; a seguir veio um violento impacto. Então ouvi o médico dizendo: 'Ele está voltando a si'. Ele me havia considerado morto por algum tempo".

A experiência do capitão Burton é igual à de todos que conseguiram enganar a morte. Essa experiência enigmática, contudo, não se restringe apenas aos que passaram pela morte, mas estende-se a centenas de pessoas de todas as culturas. Os parapsicólogos chamam a isso experiência fora do corpo, expressão que substitui uma outra mais antiga, "projeção astral".

Houve tempo em que as pessoas que passaram por essa experiência mantinham-se reticentes sobre o assunto, temerosas do ridículo ou de serem acusadas de loucura. Mesmo assim os parapsicólogos conseguiram reunir centenas de casos relatados por indivíduos absolutamente normais e tentaram estudar o fenômeno também no laboratório.

Com o passar do tempo, centenas de pessoas comuns, homens de negócios, donas-de-casa, artistas que passaram por essa experiência, mencionaram uma série de observações semelhantes entre si. Sir Aukland Geddes, muito conhecido e respeitado médico inglês, relatou estranha experiência desse tipo para a Royal Medical Society, de Edimburgo: "Eu estava muito doente... Mas de repente compreendi que minha consciência se separava de outra consciência que também era eu. O ego-consciência que agora eu era parecia fora do corpo que eu via na cama e que era meu".

Geddes viu-se num corpo de aparição. Viu o médico tentar reanimá-lo com uma injeção de cânfora. Sua consciência se obscureceu e de novo ele estava em seu corpo. Mais tarde verificou que tudo que notara enquanto estava supostamente inconsciente realmente acontecera. A sra. Carlina Larsen, uma dona-de-casa de Vermont, nunca tinha ouvido falar na experiência fora do corpo até uma noite em que se deitou e adormeceu ao som da música de câmara que seu marido e amigos tocavam numa sala próxima. "Um sentimento de profunda depressão e apreensão me tomou, e forte torpor paralisou todos os meus músculos. A seguir me vi de pé ao lado de minha cama, olhando atentamente para 'meu corpo físico ali deitado.

"A sra. Larsen desceu a escada em seu novo corpo, que descreveu corno mais radioso do que o corpo físico, e espiou o ensaio. Mais tarde, quando voltou para seu corpo, confirmou com o marido tudo que tinha observado... Coisas que não sabia antes. Durante anos, experiências desse gênero foram relatadas, mas nunca houve um esforço organizado para estudá-las, até que pesquisadores psíquicos começaram a se interessar. Alguns puseram tais casos de lado, considerando-os como sonhos ou alucinações.

Mas outros, principalmente os que tinham a mente alerta para a crescente ciência da parapsicologia, acharam que as perguntas precisavam ser respondidas, e uma delas era se a experiência fora do corpo era ou não imaginária. Por que aquelas pessoas podiam descrever fatos ocorridos durante sua inconsciência e dos quais não podiam ter conhecimento? O caso da sra. Larsen era um deles. E, se a experiência fosse simples alucinação, por que tanta gente dizia ter visto um fio de prata unindo o corpo físico ao seu "duplo"?

ENTRE O CORPO E SEU ASTRAL, "UM FIO DE TEIA DE ARANHA"

Esse fio é freqüentemente mencionado por pessoas que passaram pela experiência. A. S. Wiltse, físico de Kansas, depois de sarar de grave doença, contou como havia flutuado para cima e para baixo, até que se libertou do corpo e caiu levemente no chão. Dirigiu-se para a porta do quarto e, olhando para trás, viu "um fio, como uma teia de aranha", unindo seu corpo físico ao superfísico.

A sra. H. D. Williams, uma dona-de-casa inglesa, teve idêntica experiência, que relatou a Robert Crookall, cientista inglês que passou vários anos estudando a experiência fora do corpo. Ela contou que olhou à sua volta durante a experiência e viu um fio brilhante, com 2 ou 3 polegadas de largura, preso a cabeça de seu corpo físico. É claro que esses relatos estranhos nos impelem a ir mais adiante, não apenas a rotulá-los como ocorrências imaginárias.

Tanta gente conta que saiu de seu corpo, e os parapsicólogos há muito tempo sabem que certos indivíduos conseguem abandonar o corpo quase que na medida de sua vontade. Em 1919 o livro de Hereward Carrington "Modern Psychical Phenomena" foi ter às mãos de um jovem fraco e doentio que ainda não tinha vinte anos, Muldoon, e que desde a infância tinha experiências fora do corpo. Lendo-o, Muldoon resolveu escrever ao pesquisador contando que ele próprio podia escrever um livro sobre coisas que as "autoridades" não conheciam. Logo se estabeleceu correspondência entre ambos. Em 1929 foi publicada a biografia de Muldoon em co-autoria com Carrington. O livro, "A Projeção do Corpo Astral", tornou-se um clássico do assunto. Muldoon tinha doze anos quando teve a primeira experiência. Acordou no meio da noite e sentiu pânico ao ver que estava paralisado. Depois a catalepsia mudou para a sensação de flutuar.

Quando, afinal, conseguiu ver, encontrou-se planando sobre seu corpo. Como estava de pé, o menino virou-se e viu um fio prateado unindo seus dois corpos. Com o passar dos anos, Muldoon teve centenas dessas experiências, que podia controlar perfeitamente. Certa noite adormeceu sentindo sede; encontrou-se desperto no estado fora do corpo tentando abrir uma torneira no quarto pegado. Em outra ocasião tocou casualmente num fio elétrico e imediatamente foi atirado para fora do corpo e calmamente contemplou seu corpo se contorcendo. Muldoon notou que, quando sonhava estar voando, passava para o estado fora do corpo. Essa circunstância levou muita gente a indagar se sonhar que está voando, um sonho muito comum, teria algo a ver com o estado fora do corpo. Muldoon descreveu não só suas experiências mas também o método de forçá-las, os fatores que as afetavam e o que pensava sobre o assunto. Muldoon e Carrington mais tarde reuniram casos dessas experiências e juntos publicaram o livro "O Fenômeno da Projeção Astral": Muldoon publicou ainda "The Case for Astral Projection".

À medida que a saúde de Muldoon melhorava, sua extraordinária capacidade começou a enfraquecer e praticamente desapareceu. Apesar de seu nome ter se tornado célebre na pesquisa psíquica, Muldoon perdeu o interesse por ela e ficou dirigindo um salão de beleza até seu falecimento, há alguns anos.

PODE SER COMUNICAÇÃO TELEPÁTICA. MAS NEM SEMPRE

Enquanto Muldoon passava por suas estranhas aventuras nos Estados Unidos, um inglês descobria que possuía poder semelhante. Oliver Fox (um pseudônimo) descobriu que tinha um "duplo" que podia abandonar seu corpo. Contou suas experiências em vários artigos, depois transformou-os no livro "Projeção Astral". Descobriu que, muitas vezes, quando estava sonhando, compreendia que estava sonhando e, controlando seus sonhos, podia forçar o estado fora do corpo. (Método semelhante foi descoberto por uni experimentador holandês, Frederick van Eeden.)

Oliver Fox




Certa vez Fox acordou em estado de semitranse. Compreendendo que estava passando por uma experiência fora do corpo, apenas desejou sair da cama. "Simultaneamente me sentia deitado na cama e de pé a meu lado. Andei devagar pelo quarto, até a porta; a sensação de dualidade diminuía à medida que me afastava do corpo; mas, quando ia sair do quarto, meu corpo foi puxado para trás Como Muldoon, Fox tinha uma infinidade de dados sobre a experiência. Gabando-se de seu poder diante de uma amiga, ela disse que ia projetar-se no quarto dele naquela noite para mostrar que também tinha o mesmo poder. Quando estava na cama nessa noite, Fox percebeu o vulto de Elsie no quarto.

No dia seguinte Elsie descreveu com exatidão o quarto de Fox, onde nunca tinha estado. Seria possível que, estando invisível no estado fora do corpo, ocasionalmente uma pessoa podia ser vista por outra? Uma série de casos indica essa possibilidade. Várias dessas experiências foram realizadas por S. H. Beard, amigo de Edmund Gurney, um pioneiro na pesquisa psíquica em Londres. Gurney ficou tão impressionado com essas experiências que as publicou, em co-autoria com Beard, em dois volumes clássicos: "Fantasmas dos Vivos". A primeira experiência foi em novembro de 1881. Beard desejou projetar-se para sua noiva e a menina irmã dela. Na noite do experimento, a noiva acordou e viu o vulto de Beard de pé à sua frente. Ficou tão assustada que deu um grito. A irmã acordou e também viu o vulto. Depois disso Beard mandava cartões-postais para Gurney comunicando que planejava alguma experiência e muitas vezes a noiva de Beard lhe mandava cartas datadas comprovando ter visto sua aparição. Uma vez a aparição chegou a acariciar seus cabelos.

TODOS CONCORDAM: O CORPO ASTRAL SAI PELA CABEÇA

Poderiam esses casos ser, na realidade, ao invés de experiências fora do corpo, alucinações telepaticamente motivadas pelo pensamento intenso do experimentador? Essa teoria foi aceita por muitos parapsicólogos. Mas explicará todos os casos desse tipo? Provavelmente não, como no caso a seguir, que se tornou um dos mais célebres de "aparição de vivos". Uma noite a sra. Wilmot dormia muito inquieta porque o marido estava num vapor que atravessava o Atlântico com tempo tempestuoso. Dormindo segura em sua casa em Connecticut, ela se viu deixando o corpo, viajando pelo mar e descendo num navio. Encontrou o caminho para a cabine do marido e, vendo-o, tentou se aproximar. Viu outro homem num beliche por cima do dele. Ela hesitou, mas continuou a andar, beijou o marido e partiu. No dia seguinte Wilmot contou que tivera uma visão de sua mulher, que viera a ele e o beijara.

O que há de novo neste caso é que o companheiro de cabine de Wilmot também viu a aparição e a tomou por uma pessoa real; gracejou com Wilmot dizendo que ele havia recebido durante a noite a visita de uma mulher. A sra. Wilmot anotou toda a experiência, especialmente a posição do beliche do companheiro de seu marido. Quando as anotações foram conferidas, tudo foi confirmado. A prova dos testemunhos foi tão forte que Eleanor Sidgwick, outra pioneira na pesquisa psíquica, incluiu-a no seu artigo "Sobre a Prova da Clarividência", publicado em "Proccedings", da Society for Psychical Research. Até há algum tempo, a maior parte dos dados sobre a experiência fora do corpo resultava do relato de casos pessoais reunidos aqui e ali, com pouca análise científica. Só em 1960 a experiência fora do corpo começou a ser estudada cientificamente, e os dois cientistas interessados obtiveram importantes progressos para a compreensão do fenômeno.

Um dos cientistas era o pesquisador inglês Robert Crookall, que fez brilhante carreira como cientista. Possuidor de dois doutorados, esteve primeiro na faculdade da Universidade de Aberdeen e mais tarde foi diretor de geologia no H. M. Geological Survey. Deixou esse lugar a fim de se dedicar exclusivamente ao estudo e à análise dos casos de experiência fora do corpo. O dr. Crookall ficou surpreso com as semelhanças encontradas entre as experiências e, como Carrington e Muldoon, começou a reunir o maior número possível de casos. Mas, ao contrário de seus predecessores, Crookall estava interessado na análise crítica, esperando que, através da investigação de grande número de casos, chegasse a alguma definição sobre a experiência fora do corpo. Reuniu perto de mil casos tirados da literatura sobre pesquisa psíquica e de relatos obtidos em primeira mão. Esses casos foram publicados em três volumes: "The Study and Practice of Astral Projection"," More Astral Projection", "Case Book of Astral Projection". Até agora Crookall apresentou quatro tipos diferentes de análise de seus dados. Todos revelaram particularidades desconhecidas. A primeira análise foi baseada no que é conhecido como "lei de comprovação de Whateley", que diz, se um número suficiente de testemunhas independentes comprova as características de uma observação — testemunhas que comprovadamente não poderiam estar em conluio —, então há muita probabilidade de que a observação seja genuína.

Ao analisar perto de trezentos casos, Crookall encontrou total concordância entre os casos. As mesmas particularidades foram encontradas em centenas de casos, contudo seis características principais sobressaíram de sua análise:

1) o perceptivo sente que está saindo do corpo físico pela cabeça;

2) ocorre um escurecimento no momento da separação entre a consciência e o corpo;

3) o corpo-aparição flutua sobre o corpo físico;

4) o corpo-aparição volta ao corpo físico antes do término da experiência;

5) ocorre novo escurecimento no momento da reintegração;

6) a rápida reentrada causa choque ao corpo físico.

Os casos estudados por Crookall também mostraram que muitas vezes a pessoa que passa pelo estado fora do corpo vê outras aparições; possui percepção extrasensorial; encontra-se num ambiente obscuro, nevoento ou num mundo "paradisíaco"; e, por fim, um fio de prata muitas vezes é visto durante a experiência.

DIFERENÇAS ENTRE AS VIAGENS ESPONTÂNEAS E AS INDUZIDAS

A segunda análise de Crookall é ainda mais interessante. Apesar de todas as experiências fora do corpo seguirem um padrão geral, parecia haver diferenças qualitativas entre os casos. Para melhor avaliar este aspecto, o dr. Crookall dividiu os casos em dois grandes grupos. Um grupo era de projeções ocorridas naturalmente, pouco antes de adormecer, ou causadas por doença ou exaustão.

O outro consistia de experiências forçadas pelo uso de anestésicos, choque, sufocação, hipnose ou projeção voluntária. Comparando os dois grupos de dados, descobriu que a experiência fora do corpo natural era muito mais vivida e tinha características gerais diferentes das experiências forçadas. Por exemplo, perto de l0% dos casos naturais mencionavam o abandono do corpo pela cabeça, enquanto na projeção forçada nem metade dessa porcentagem referiu-se a essa ocorrência. A terceira análise de Crookall consistiu na comparação dos relatórios feitos por psíquicos com os de pessoas comuns que passaram pela experiência. Descobriu que de modo geral os psíquicos contam experiências muito parecidas com projeções compelidas, ao passo que as pessoas não psíquicas tiveram experiências que eram como projeções naturais. Na quarta análise Crookall revela que muitas experiências fora do corpo ocorrem em dois estágios. Ao analisar relatos de primeira mão, Crookall verificou que grande número de pessoas fala num estágio inicial de confusão durante o princípio da experiência; a consciência se torna mais clara; e no término da experiência volta certa imprecisão.

Outro grande grupo de casos parece revelar a liberação numa só etapa. A meticulosa pesquisa de Crookall provavelmente fez mais do que qualquer outra para ajudar a parapsicologia a compreender a experiência fora do corpo. Baseado nessas pesquisas, Crookall criou teorias esmeradas e cuidadosamente elaboradas sobre essa experiência, e sua opinião básica é que esse experimento mostra que o homem possui um corpo ultrafísico que tem a capacidade de sobreviver à morte. O trabalho de Crookall mostra ainda que todos os relatos sobre a experiência fora do corpo podem ser avaliados cientificamente.

PROVAS, EXISTEM MUITAS. ATÉ AS DE LABORATÓRIO

Outro pioneiro no estudo dessa experiência foi o dr. Charles T. Tart, psicólogo experimental. Era sua intenção descobrir se as pessoas que afirmam passar freqüentemente por essa experiência podem produzi-la em laboratório, onde pudesse ser controlada, da mesma forma que se controlam os sonhos, seguindo o desenho das ondas cerebrais, o movimento rápido dos olhos etc. Antes de Charles Tart outros pesquisadores já haviam tentado estudar a experiência fora do corpo em laboratório. O pesquisador francês H. Durville afirmou haver fotografado o "duplo" da médium mme. Lambert. Outro francês, Charles Lancelin, pretendia haver obtido as impressões digitais do corpo astral. Esses experimentos, contudo, são bastante antigos, e os métodos exatos empregados pelos investigadores são um tanto misteriosos.

Tart pode ser considerado como realizador do primeiro trabalho experimental importante sobre a experiência fora do corpo. O primeiro médium do dr. Tart foi Robert Monroe, que autorizou a publicação de sua biografia "Journey out of the Body". Os primeiros experimentos foram levados a efeito na Universidade de Virginia em 1965 e 1966. Após uma semana de tentativas, Monroe conseguiu a experiência fora do corpo. Esperava-se que Monroe saísse da sala de experiências no estado fora do corpo, fosse a uma sala próxima e contasse o que tinha visto. Durante todo o tempo foi controlado por um aparelho encefalográfico e por outros. Esperava-se também que lesse um número de seis algarismos colocado numa prateleira a 2,5 metros acima do solo.

O experimento obteve êxito parcial. Monroe contou que o técnico estava no corredor com um homem, o que era correto. Os aparelhos de controle revelaram que Monroe permaneceu numa espécie de estado de sonho durante a experiência fora do corpo. Quando os experimentos foram repetidos em Davis, Califórnia, a leitura registrada foi semelhante, além de assinalar queda de pressão sangüínea. Miss Z. foi a segunda médium talentosa de Tart. Na segunda noite dos experimentos, também em Davis, ela teve a experiência fora do corpo. A leitura de seu eletroencefalograma não pôde identificar se estava dormindo ou acordada. Tart esperava que ela pudesse ler um numero escrito numa prateleira mais alta do que ela, à qual não teria acesso fácil. Na quarta noite ele conseguiu.

O número só podia ser lido se alguém "flutuasse" sobre a prateleira. Infelizmente o dr. Tart descobriu que o número podia refletir-se num relógio do quarto, se fosse iluminado por luz brilhante. É pouco provável que a médium o tivesse lido por esse meio. Aqui também foram registrados estranhos desenhos no eletroencefalograma. Testes semelhantes aos descritos também foram levados a efeito pela American Society of Psychical Research, com o médium Ingo Swann.

REVELA-SE ENTÃO UM NOVO CONCEITO DE CONSCIENCIA

Finalmente a experiência fora do corpo está emergindo da esfera da anedota para o campo experimental. Todavia, para onde nos levam esses estudos, tanto os anedóticos como os experimentais? Três áreas da pesquisa psíquica são drasticamente afetadas pela pesquisa da experiência fora do corpo. A primeira é a do estudo das aparições.

O pesquisador Hornell Hart acredita que a experiência fora do corpo poderia ser a chave para compreender as aparições, já que muitas "aparições de vivos", tanto quanto "aparições de mortos", foram registradas. Em estudo magistral, Hart analisou as características desses diferentes casos de aparições e viu que ambos possuíam as mesmas peculiaridades. Deduziu que os dois tipos tinham a mesma natureza e muito provavelmente revelavam um mecanismo semelhante ao da experiência fora do corpo. A segunda área afetada pelo estudo da experiência fora do corpo é a da sobrevivência à morte. Tanto Tart como Robert Crookall afirmaram achar que a experiência fora do corpo demonstra ser possível a vida consciente espacialmente distante e separada do corpo físico. A consciência não depende do corpo e poderia, assim, sobreviver à morte. Em terceiro lugar a experiência fora do corpo substancialmente altera nosso conceito sobre o que é "consciência".

Durante a experiência fora do corpo o perceptivo é muitas vezes atirado para novas experiências sensoriais e novos níveis de consciência. Por exemplo, algumas leituras dos encefalogramas tomados durante as experiências fora do corpo feitas por Charles Tart são semelhantes às leituras obtidas com praticantes do zen em meditação. Assim como a experiência mística traz consigo uma expansão da consciência, a experiência fora do corpo pode muito bem ser uma avenida aberta para um novo mundo da mente. Como escreveu um perceptivo: "Era uma noite de outubro, mais ou menos às 11 horas da noite. De repente me senti fora do corpo flutuando sobre um pântano no Highland, num corpo tão leve ou mais leve do que o ar. Havia um bosque, e o vento era leve e fresco. Vi que o vento não me incomodava, como aconteceria se estivesse no meu corpo físico; eu era parte do vento. A vida no vento, as nuvens, as árvores, tudo era parte de mim, fluindo dentro e através de mim, e eu não oferecia resistência. Estava repleto de vida gloriosa. Durante todo o tempo, à margem da minha consciência, eu sabia onde estava meu corpo terrestre, ao qual poderia retornar se surgisse algum perigo. Tudo deve ter durado alguns minutos ou segundos, não sei dizer — porque eu estava fora do tempo..."


Fonte: Portal da Reencarnação

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Uma Parábola


Certa vez, disse o Buda uma parábola:

Um homem viajando em um campo encontrou um tigre. Ele correu, o tigre em seu encalço. Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha selvagem em suas mãos e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo.

O tigre o farejava acima. Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas a vinha o sustinha.Mas ao olhar para a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos sua raiz. Neste momento seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto.

Segurando a vinha com uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu.

"Que delícia!", ele disse.




Extraído do Blog Epifenomenologia
Fonte: Shunya

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Os sonhos e o Mago de Strovolos


(Do livro: HOMENAGEM AO SOL – A Sabedoria do Mago de Strovolos - Kyriacos C. Markides - ed. Pensamento, 1994 )

(OBS: grifos do Blog)


Outro sonho desse tipo ocorreu quando eu estava prestes a deixar Chipre. Vi-me dentro da biblioteca de uma universidade. Podia claramente ver os universitários, estudando por toda parte. Era uma cena familiar. Para minha grande surpresa, dei de cara com uma pessoa que eu sabia ter morrido. Nesse momento, compreendi que estava no pla­no psíquico e tornei-me plenamente cônscio de que estava sonhando. Mais surpreso ainda fiquei ao constatar que essa pessoa era um antigo vizinho nosso, vitimado por um ataque de coração enquanto tomava café com meu pai. Em criança, eu costumava brincar com seu filho, mas, além disso, eu não tinha nenhum contato com ele. No sonho, ele pa­recia bem jovem, com pouco mais de vinte anos, se bem eu o houvesse conhecido com mais idade. Fascinou-me o fato de tê-lo reconhecido, apesar de nunca te-lo visto na mocidade. Ele sorriu e passou por mim a passos largos. "Espere, espere!", gritei, "quero falar com o senhor. Quero lhe fazer muitas perguntas sobre o mundo em que vive. O se­nhor tem muito a me ensinar. Com tanta gente no mundo, como é que fui encontrá-lo aqui?" "Fomos colegas de quarto em Leeds", ele res­pondeu, afastando-se de mim. Nesse momento, não atinei com o que ele queria dizer. Depois fiquei sabendo que, em Leeds, na Inglaterra, há uma universidade. Tentei correr e alcançá-lo, mas senti que algo me impedia. Respirei com dificuldade. "Um momento", pensei, "por que sofrer com esse problema?" Daskalos disse que quando a gente se en­contra no mundo psíquico pode, literalmente, criar mentalmente sua própria realidade. Então, a lembrança de como eu havia me compor­tado em meus antigos sonhos veio-me à memória. Encantou-me pen­sar, neste sonho, em um sonho anterior. "Vou andar direito, sem ne­nhuma dificuldade", disse com determinação e comecei a respirar nor­malmente, mas perdi a pessoa que tentava seguir. Então, circulei pela biblioteca, até que cheguei defronte a uma porta. Abri-a e vi-me den­tro de um pequeno anfiteatro. Alguns alunos estavam se preparando para ver um filme. "A última coisa que quero fazer," pensei, "é perder meu tempo vendo um filme no mundo psíquico. Meu tempo é curto e preciso correr." Eu sabia que em breve iria acordar, queria falar com as pessoas e saber como se sentiam mortas. Eu estava para sair quan­do notei um homem estranho sentado na última fila. Em seu ombro direito pousava um pássaro preto grande e assustador, que parecia um corvo. "Isso é verdade?" pensei, "ou eu mesmo criei essa ave?" "Ca­valheiro, que espécie de tolice nos está dizendo?", me disse o homem do pássaro. "Está dizendo que não existimos. É alguma espécie de doi­do?" Realmente, eu não abrira a boca, mas senti que ele estava lendo meus pensamentos. "Amigo, se eu me sentar para lhe explicar onde você está agora equivaleria a uma enorme perda de tempo. Além do mais, levaria horas, e eu estou para acordar dentro de minutos", resmunguei para mim mesmo e deixei a sala. Eu estava ansioso por andar por ali e começar a entrevistar quem eu julgava fossem seres humanos vivendo no mundo psíquico. Aproximei-me de uma garota que me observava. Antes que eu pudesse tocá-la, ela retirou a mão, com uma expressão de terror estampada no rosto. "Você não pertence a este nosso mun­do", disse em pânico. "Não" tenha medo, meu bem", falei com voz suave, tentando acalmá-la, "não vou lhe fazer mal." Nesse meio tempo, mui­tos outros nos rodearam, curiosos por saber quem eu era. Nesse momento, acordei. Sentei-me na cama, tremendo da cabeça aos .pés. Meu coração ainda estava acelerado e eu imerso em um lago de suor.

Os sonhos que descrevi acima e outros que seguiram continuam tão vívidos em minha memória como nas noites em que os sonhei. A qualidade e as características identificadoras desses sonhos, a despeito de suas dife­renças intrínsecas, são essencialmente as mesmas. Em resumo, digo a se­guir o que considero serem as suas semelhanças.



Primeiro, usando a terminologia de Maslow, todos eles foram experiências culminantes em geral, extremamente aprazíveis e radicalmente diferentes de tudo o que eu experimentara até então.

Não sei se devido à natureza das experiências em si, ou devido ao fato de sua novidade, em todos esses sonhos meu coração batia acelerado e minha respiração se processava com dificuldade. Era como se eu tivesse uma máscara de oxigênio diante do rosto.

Segundo, nos quatro sonhos eu estava plenamente consciente do fato de estar sonhando. Tinha uma clara noção da diferença entre o estado onírico em que me encontrava e o estado consciente, de vigília. Em todos os sonhos eu estava em condições não só de pensar e de ter consciência do que eu pensava, como também de guiar meus passos dentro do sonho. Eu podia fazer isso, porque me lembrava das lições de Daskalos sobre a natureza do pensamento e dos mundos psíquicos. Depois que passei pela minha primeira experiência onírica, transferi a ex­periência desse primeiro sonho aos subseqüentes. A este respeito, os en­contros do primeiro sonho determinaram até certo ponto o estilo de pe­lo menos algumas das experiências dos sonhos subseqüentes.

Terceiro, em todos os quatro sonhos, eu tinha a forte sensação de que o mundo em que eu entrara era, de certo modo, mais real que o estado de vigília. Cada célula do meu corpo se sentia viva. Havia, por­tanto, o desejo de prolongar o estado onírico pelo maior tempo possí­vel, mas não de permanecer sonhando para sempre. Nem por um mo­mento desejei permanecer lá indefinidamente. Num instante em que esse pensamento cruzou minha mente, entrei em pânico. As pessoas de minha vida, próximas a mim, impediam qualquer desejo de uma per­manência mais prolongada nos mundos psíquicos, a despeito de quão agradável pudessem parecer. Meu desejo limitava-se a estender minha estada até o ponto em que eu estivesse apto a ganhar mais experiência e a transferi-la ao estado de vigília. A viagem de retorno, no entanto, era sempre uma decepção. Em termos comparativos, ao estado de vi­gília faltava a intensidade experimental do estado onírico.

Quarto, eu não tinha dúvidas de que minhas recordações eram precisas. As experiências eram tão vívidas que eu não sentia a menor dificuldade em lembrar de tudo pelo que passara com razoável clareza.

E, por último, ao contrário de Daskalos e de seus discípulos, que declaravam poder entrar nesses estados à vontade, minhas experiências oníricas eram totalmente inesperadas e não planejadas. Acho que, se eu tivesse a capacidade de entrar nesse estado à vontade, a tentação de considerar esses, mundos como reais ou, pelo menos, tão reais teria sido irresistível. Mas, ai de mim, minha consciência está irremediavelmente presa às três dimensões e não tenho outra escolha senão desempenhar, ou pelo menos pretender desempenhar, o papel de Tomé, o apóstolo descrente.

Logo depois de meu último sonho, fui uma noite com Emily fa­zer uma visita a Daskalos e conversamos levemente sobre a natureza dos sonhos. Este foi um de nossos últimos encontros antes de minha volta para o Maine, a fim de reassumir minha cátedra durante o outono de 1986.

Após ter descrito meu último sonho, Daskalos abanou a cabeça e riu com gosto. — Você parece uma criança que começa, toda animada, a dar os primeiros passos. Algum dia, terá a capacidade de se harmo­nizar com qualquer mundo que escolha e de entrar quando quiser em contato com seres de outras dimensões. Poderá então conversar com eles, da mesma forma como está conversando comigo neste momento. E compreenderá que todas as dimensões não passam de dependências da mesma casa. Suas experiências não foram apenas sonhos. Por que não denominá-las experiências psíquicas? Você penetrou num subpla­no do mundo psíquico e passou por certas experiências que ficaram marcadas na sua memória de maneira agradável. Trata-se de uma cria­ção sua. Você as colocou numa seqüência toda sua. Muito provavel­mente, separou essas experiências em várias partes e tornou a uni-Ias, de acordo com a sua vontade.

— Está sugerindo que as pessoas que encontrei não eram reais, mas produto da minha imaginação?

— Eram bem reais, mas a forma pela qual você as ilustrou em sua mente é uma • forma muito sua. É o que, usualmente, ocorre com principiantes. Pelo que você passou, outros também passaram... São experiências reais, porém não adequadamente rememoradas.

— Por que não adequadamente rememoradas?

— Acabei de lhe explicar: Porque você é um principiante, e por­que os principiantes embaralham tudo. Depois de muita prática, poderá lembrar-se com mais clareza e passará por essas experiências quando quiser. De todo jeito, mesmo essas pequenas experiências devem tê-lo convencido da realidade das outras dimensões.

Admiti que, durante todo o tempo em que sonhei, eu tivera uma sensação de absoluta certeza da realidade das outras dimensões a que Daskalos se referia. Mas quando eu "voltava para o meu corpo", o peso das três dimensões me impunha o ceticismo de Tomé. Ainda assim, a intensidade das experiências vividas nesses sonhos permanecia nítida na minha mente, com toda a clareza e nos menores detalhes. Era óbvio que o que passei nos sonhos e o tipo de argumentação e de diálogo que desenvolvi dentro de mim, durante o sonho, não poderia ter existido sem a orientação dos ensinamentos de Daskalos. Às vezes ponho-me a pensar se eu teria tido esses sonhos se não tivesse conhecido Daskalos.

Daskalos me explicou que as pessoas do sonho eram, muito possivelmente, reais. — Quando a gente encontra entidades que vivem nos planos psíquicos — disse ele — sua aparência é sempre jovem. Uma pessoa idosa readquirirá ao morrer a aparência que tinha quando mais jovem. O fato de eu ter reconhecido o amigo de meu pai, que eu conhecera como uma pessoa já de idade, é indício de que houve um contato meu com a pessoa real. A razão de ele ter fugido de mim — Daskalos escla­receu — foi motivada pelo fato de eu não estar totalmente sintonizado com ele. No caso da garota que ficou apavorada quando lhe estendi a mão, foi possivelmente a saudade do plano material que nela desper­tou, prematuramente, para prejuízo dela.

Outra prova irrefutável da realidade da minha experiência psí­quica foi minha habilidade para raciocinar e conduzir minhas experiên­cias oníricas. Em suma, o Pesquisador da Verdade aprenderá como vi­ver plenamente dentro do que as pessoas denominam sonhos.

— Os mestres mais evoluídos — disse Daskalos — vivem contínua e conscientemente dentro de todas as dimensões da existência. Um so­nho, portanto, não é uma coisa irreal. De fato, todas as experiências humanas, em todas as dimensões, incluindo a material, são formas de sonho. O que as pessoas chamam de "realidade" não existe em parte alguma. Tudo é sonho.

— Para entender a natureza dos sonhos — prosseguiu Daskalos —precisamos estudar a natureza da fantasia e como se forma o subcons­ciente humano. Já lhe expus que a atual personalidade autoconsciente, tanto em encarnações passadas como na presente, projeta elementais incessantemente. A soma total desses elementais configura a persona­lidade atual. Quando um ser humano vem à luz, traz consigo, de encar­nações anteriores, o material sobre o qual erigirá sua nova personali­dade. Com jsso não quero dizer que ele traga esses elementais do pas­sado sob a forma de detalhes, imagens, modos de vida, mas como uma soma total de experiências ou predisposições.

— Dentro do nosso subconsciente existem milhares de elemen­tais que permanecem adormecidos, mas prontos para despertar a qual­quer momento. Dentro do nosso subconsciente há como que o micro­filme de inúmeros elementais, cada qual contendo dentro de si a natu­reza da força e da energia que o criou. É a qualidade da energia desses elementais que está sendo impressa no subconsciente do indivíduo, não os pormenores dos casos e imagens que contribuíram para a sua criação. Na nova encarnação, em condições apropriadas, a força desses elemen­tais entra em atividade, e imagens psiconoéticas análogas são criadas.

Uma vez atraída a nossa atenção por algo relacionado com esses elementais armazenados dentro de nós, eles entram em movimento e afloram à superfície do nosso subconsciente. A nossa atenção e fixação é que ativa esses elementais. Então, começa a fantasia. Tomemos como exem­plo uma pessoa ouvindo música. Vamos supor que existam dentro de­la muitos elementais ligados à composição musical que ela está ouvindo. A ressonância dos sons pode gerar dentro da sua mente lembranças de viagens a terras distantes, onde passou por experiências associadas a essa música, assim como por outras experiências não associadas a essa música.

— Quando a fantasia começa a galopar, pode conduzir a regiões dificilmente imagináveis ao início de nossa divagação. O que gera a fantasia, você pode perguntar? Geralmente, prazer.

— E como explicar fantasias desagradáveis?

— Bem, podemos também criar fantasias que são verdadeiros pesadelos. Alguém testemunha um acidente; de dentro da mente extrai a lembrança de uma experiência semelhante que tenha sofrido no passado. Aloja-se na sua mente o medo de que um acidente semelhante aconteça com sua família. Neste caso, a fantasia transforma-se num tirânico estado mental, podendo despertar dentro do indivíduo sentimentos de raiva, de confusão ou outros igualmente ignóbeis.

— O Pesquisador da Verdade precisa ter consciência desses sentimentos e tentar erradicá-los pela auto-análise. A imaginação humana tem levado à criação de elementais deletérios e irracionais, que não exis­tem no plano material. Os antigos criaram inúmeras criaturas imaginá­rias monstruosas, como Pégaso, Cérbero e muitas outras. O homem não poderia jamais criar algo que já não existisse no seu subconsciente. Ve­jamos Pégaso, por exemplo. Todo mundo já viu cavalos, fogo, a cor bran­ca e asas. Combinemos os quatro elementos e teremos criado um cavalo branco voador que lança fogo pelas ventas. Vejamos outro exemplo: existem serpentes, existem cachorros, fogo e dentes. 0 homem mistu­rou-os e criou Cérbero. Essa criatura não existe, a não ser como elemental dentro dos mundos psiconoéticos. O místico monstro de Loch Ness é um elemental criado pela fantasia coletiva tão poderoso que se materializa sempre que ocorrem descargas elétricas na área. Ele se semimaterializa. O homem tem imaginado e criado inúmeros desses elementais, como pesadelos, demônios, espíritos malignos, infernos feitos de caldeirões cheios de alcatrão fervente, e de monstros que jamais existiram e que, no entanto, realmente existem nos mundos psiconoéticos.

— Agora eu lhe pergunto: uma vez que construímos, tanto com nossa fantasia como com nosso pensamento criativo, ídolos mentais ou formas-pensamento, qual a diferença entre os dois? Na fantasia, nossa vontade praticamente não desempenha nenhum papel. Não podemos concentrar e controlar com a força de nossas mentes as imagens que criamos. Não podemos desviar a atenção do objeto que criamos. Na fantasia, a imaginação voa de uma experiência para outra, levando-nos a nenhum lugar em especial. Quando fantasiamos, a menor distração nos trará de volta ao que as pessoas denominam realidade. O pensamento criativo, por outro lado, tem um propósito. Os exercícios que ensinamos para a construção de imagens noéticas corro­boram para o desenvolvimento de nossa capacidade de concentração. Por exemplo, peço-lhe que feche os olhos e imagine que segura uma laranja nas mãos. Você pode arranhá-la e cheirá-la. Pode vê-la por den­tro e por fora em todos os seus detalhes. Você pode concentrar-se nessa laranja mais do que se concentrou algum dia numa laranja natural. É até possível cortá-la, comê-la e ser alimentado por ela. Se for um mes­tre poderoso, a laranja que você criou pode servir de matriz para a ma­terialização de uma laranja verdadeira que qualquer pessoa pode comer. Este feito é impossível usando apenas a imaginação. Não é com ima­ginação que realizamos os fenômenos de cura, mas com concentração e pensamento criativo.

Daskalos prosseguiu discorrendo sobre as diferenças entre fanta­sia e pensamento criativo, declarando que muitos médiuns caem nas armadilhas da fantasia e "vêem" coisas que não existem. Isto é parti­cularmente problemático na "psicometria".

Numa conversa que mantivemos anteriormente, Daskalos disse que a psicometria é a habilidade de nos concentrarmos sobre um obje­to e observar todos os fatos a ele associados. A psicometria é possível porque todos os objetos estão carregados dos elementais que os seres humanos criaram em relação a eles.

- A pessoa que exerce a psicometria — continuou Daskalos —precisa ter capacidade para ver e harmonizar-se com as vibrações de um objeto, sem colorir o que vê com elementais criados por si mesmo. Por exemplo, se detecta uma batalha associada àquele objeto, precisa vê-la em todos os seus detalhes, sem interferir subjetivamente no que vê. Na psicometria, a fantasia pode facilmente intrometer-se em nossa percepção. Os médiuns caem com freqüência nas malhas da fantasia e percebem o desejável antes que o real. São sinceros em sua percepção, mas incapazes de distinguir fantasia de realidade.

— Podemos avaliar as dificuldades que existem no campo da psicometria quando compreendemos com que facilidade a imaginação pode distorcer a percepção que temos dos fenômenos ordinários. Várias pes­soas estão assistindo a um programa de televisão. Se você pedir que con­tem o que acabaram de ver, garanto que a maioria colorirá a trama com a própria fantasia. Pode imaginar quão mais árduo é descortinar com cla­reza o passado? É por isso que são tão importantes os exercícios de con­centração para o desenvolvimento de nossos poderes psiconoéticos.

— Existe na fantasia algum perigo para a personalidade atual? —perguntei.

— A maioria das pessoas que acaba no manicômio é vítima de fantasias. Um mestre, portanto, precisa estar alerta quanto a seus discípulos, a fim de assegurar-se de que o trabalho que estão realizando, isto é, de que a construção de imagens psiconoéticas seja produto de pensamento criativo e não de fantasia. Neste último caso, ele deve inter­vir e impedir que os discípulos prossigam nessa trilha perigosa.

— Como a fantasia se associa com os sonhos? — perguntei quando nos acomodamos.

— A fantasia é uma imperfeição da nossa personalidade atual. To­dos nós, até certo ponto, somos vítimas desse mal e é preciso muito esforço o para livrar-nos dele. Imprimimos imagens no nosso subconscien­te ou através da fantasia ou através da concentração e do pensamento criativo. Estamos sob o fascínio da fantasia quando nossos interesses e pensamentos são incoerentes, e sob o domínio do pensamento criativo quando, conscientemente, decidimos o que registrar em nosso sub­consciente. Deixe-me dar-lhe um exemplo tirado da vida cotidiana.

— Suponhamos que eu vá viajar. Durante a viagem inteira con­centro-me na beleza da paisagem ou da arquitetura dos lugares por onde passamos. Outro passageiro pode não dar a isso a menor atenção; pelo contrário, pode comprazer-se com o feio e o desagradável. Podemos passar muitas horas viajando e se eu lhe perguntar o que viu durante o trajeto, será incapaz de dizê-lo. O ser humano só pode trazer à tona de sua consciência o que já tinha lá armazenado.

— Para um Pesquisador da Verdade, os sonhos se apresentam logicamente coerentes e obedecem a uma dada seqüência lógica. A uma pes­soa importunada, atormentada pela fantasia, as impressões e experiências vêm e vão de forma desordenada. Seus sonhos são grotescos, iló­gicos e confusos. Alguém me contou um dia destes um estranho sonho que tivera. No sonho, encontrou-se numa sala muito agradável, decorada com uma bela arca de nogueira. No momento em que abriu a arca, de dentro dela manou um rio. Então viu que do rio saíam vermes esverdea­dos. O que acontecera? Acontecera que, no seu subconsciente, estava gravada uma experiência com vermes esverdeados, rios e arcas de no­gueira. É possível que no plano psíquico ele tivesse visto apenas um rio a correr. Mas já armazenava no subconsciente a lembrança de ver­mes esverdeados e arcas de nogueira. Talvez não os tivesse visto naquele momento, mas associou-os com a imagem do rio.

— É possível que o que ele viu simbolize algo?

— Não, o simbólico nunca é grotesco. Você verá o simbólico alia­do a um simbolismo e não a uma miscelânea. A fantasia é um estado pas­sivo da personalidade atual, levando-a a perceber coisas incontroláveis opressivas, a ver tolices, próprias ou de terceiros. A realidade não é disparatada, absurda. Quando a gente sonha, vê tudo na ordem certa. O problema reside na inabilidade de transferir com lucidez, para o cé­rebro material, o que vimos no sonho. É como se uma pessoa pegasse uma máquina de fotografia, tirasse uma foto de uma linda paisagem e depois, sem virar o filme, tirasse mais fotografias. Quando o negativo for revelado, tudo parecerá misturado e confuso. Isso não significa que a realidade seja confusa. Confusa é a forma pela qual ela impres­siona o cérebro. Na natureza, seja no plano físico, psíquico, noéti­co, ou mais além, tudo está colocado no seu devido lugar. É quando transferimos informação de um plano para outro que topamos com as dificuldades.

— Como podemos conseguir nos lembrar de nossos sonhos niti­damente? — perguntou Emily.

— Fazendo incessantemente exercícios de meditação, a fim de que nosso cérebro se torne disciplinado de modo a receber as impres­sões de maneira apropriada.

— Como podemos saber — acrescentei — se os sonhos que sonha­mos não são meras fantasias, e se estamos, de fato, em contato, diga­mos, com habitantes do plano psíquico?

— Somente a experiência ensinará a distinguir a fantasia da rea­lidade. Os mestres podem fazer essa distinção. As pessoas usual­mente só se recordam das coisas que já armazenaram em seu subcons­ciente. Um mestre pode abranger toda a realidade que quer observar, captar tudo o que precisa saber. Quando você toma conhecimento de algo que não lhe seria transmitido num estado normal da mente, isso pode ser indício de que você está em contato com algo real. Quando encontra pessoas no mundo psíquico e consegue guardar-lhes as ima­gens dentro da sua lembrança, isso é indício de que o contato é real, não imaginário. São elas, talvez, que prendem a sua atenção e se co­municam com você. Muito freqüentemente, é da parte delas que surge o desejo de comunicação. Cabe a você mesmo julgar a realidade da sua experiência. "Será que eu tive capacidade para inventar tudo isso, ou é algo que realmente encontrei nos planos psíquicos?", você pode per­guntar. Pela concentração você julgará e descobrirá se essa experiên­cia é genuína ou se é produto da fantasia.

— A personalidade atual, uma vez absorvida pela personalidade permanente, continuará a sonhar? — perguntei.

— Claro! Não é nossa intenção diminuir a importância dos so­nhos. Tudo o que pode ser percebido é uma forma de sonho.

— Continuamos a sonhar mesmo quando nos tornamos unos com nossa alma autoconsciente?

— Sem sombra de dúvida. Mas não sonharemos em termos de pas­sado, de presente ou de futuro, e sim do eterno presente. Quando atin­gimos esse grau de evolução, não nos impressionamos mais por uma coisa de cada vez. Não é necessário dormir para sonhar. Sonhar equivale a gravar no subconsciente impressões oriundas de qualquer dimensão.

— Qual a finalidade do sonho? — Emily perguntou abruptamente.

— Se você me explicar por que nascemos — respondeu Daskalos com um sorriso — eu lhe explicarei por que sonhamos. O motivo existe, mas é difícil alcançá-lo com a razão humana.

— O eu interior intervém em nossos sonhos? — Emily perguntou.

— O eu interior dá à personalidade atual a liberdade de ser irra­cional o quanto queira, a fim de adquirir a necessária experiência. En­tretanto, o eu interior está constantemente supervisionando a persona­lidade atual, da mesma forma que uma mãe amorosa cuida do filho. O eu interior intervém apenas para livrar a personalidade atual de pesade­los e evitar a dor. Por exemplo, quantas vezes você sonha que está des­pencando de um lugar alto? Alguma vez chegou ao chão?

— A gente acorda.

— Quem o acorda? Sabe que se você batesse contra o chão acor­daria com escoriações no corpo? É o seu eu interior que o protege con­tra essas experiências desagradáveis, acordando-o. Quem, na sua opinião, ajuda o Pesquisador da Verdade a vencer as várias provas associadas à sua iniciação com os elementos?

— Suponho que sejam os mestres — observei.

— Verdade, mas sempre em colaboração com o eu interior. É o eu interior que o ajuda na sua iniciação com os elementos. Por exemplo, você se encontra dentro de um buraco estreito. Entra em pânico. Não sabe como sair. E, no entanto, sai. É o seu eu interior que o ajuda. Acon­tece o mesmo com a iniciação da água e com os outros elementos. Em suma, o eu interior supervisiona as experiências oníricas da personali­dade atual, mas a iniciativa de se aproximar dele sempre deve partir da personalidade atual.

— Se bem o entendi, Daskale — falou Emily, pensativa, depois de ligeira pausa —, você está dizendo que tudo o que impressiona o nosso sub­consciente é real.

— É real — interrompeu Daskalos enfaticamente. — É real porque existe e tudo o que existe é real. Não fosse assim, não haveria a possibilidade de acrescentar nada a esse grande armazém que é o nosso subcons­ciente. "Como podemos provar isso?", você pode indagar. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Suponhamos que alguém seja um arquiteto. Ele visita ci­dade após cidade, estuda os vários estilos arquitetônicos e imprime o que vê no seu subconsciente. Anos mais tarde, ele se senta e recorda o que viu.

Ele extrai do subconsciente tudo o que estudou e observou como ar­quiteto. Baseado nessa experiência, ele passa para o papel algo novo e concreto. A essência do que criou saiu de dentro dele. É algo real. No denso plano material, edifícios podem voar pelos ares ou um terremoto destruí-los em questão de minutos. E ter-se-ão ido para sempre. No en­tanto, você os considera reais porque pode tocá-los, são tangíveis. O que o arquiteto criou no plano material pode ser destruído num átimo. Mas quem pode varrer da sua mente a concepção original que ele traçou no papel? Apesar de o edifício material ter sido destruído, ele tem meios para, dadas as devidas condições e possibilidades, evidentemente, cons­truir muitos outros edifícios iguais àquele. Você pode dizer: "E se o arquiteto morrer, o que acontecerá?" 0 arquiteto deixará de existir como corpo material, mas continuará a existir como uma personali­dade completa nos mundos psíquicos. Você pode entrar em contato com ele. Tudo o que ele tem dentro de si está lá. É possível a um ar­quiteto, vivendo no plano material, contatar telepaticamente um arquiteto morto, trocar informações com ele e ver tudo o que o seu colega falecido vê. A luz de quê ele estará apto para ver? A luz do subconscien­te do arquiteto morto e à luz do subconsciente do arquiteto vivo, que é o receptor. Um dos arquitetos atua como estação transmissora e o ou­tro como aparelho receptor. Quando o arquiteto morto reencarnar, trará em sua bagagem a essência de todas as suas experiências como arquiteto. Qualquer coisa que se imprima no nosso subconsciente não se perde jamais.

— Então seria o caso de supor que a palavra "subconsciente" é sinônimo de reino das idéias? — perguntou Emily.

— Não; o reino das idéias é outra coisa. Como eu já disse tantas vezes, o reino das idéias é o que denominamos reino noético superior, onde se situam os arquétipos, as leis, as causas sobre as quais tudo o mais é construído. Quando falo em subconsciente, refiro-me à soma to­tal de nossos conhecimentos e experiências, que permanecem em esta­do de latência, mas que podem emergir a qualquer momento.

— Como idéia ou como realidade? — insistiu Emily.

— Qual a diferença? O que você chama de realidade é apenas uma existência passageira. Não é realidade no sentido estrito. Uma idéia não pode ser destruída. Isso era o que Cristo tinha em mente quando nos aconselhou a não confiar nos tesouros da Terra, que podem ser destruí­dos ou roubados por ladrões. "Vosso tesouro está nos Céus", Ele disse, querendo abranger com isso o nosso subconsciente e o nosso supercons­ciente, onde nossos tesouros estão armazenados e onde reside a realidade. Nossa vida, como personalidade ligada a este mundo material, pode ces­sar a qualquer momento. No entanto continuamos a existir. Nós somos.

— Quando sonhamos — prosseguiu Daskalos depois de uma pausa preenchida por um cafezinho — na realidade percebemos fenômenos do mundo etérico e do mundo psíquico. São reais esses sonhos? Desde que são sonhados, são reais. Os objetos não têm de ser tangíveis nas três dimensões para serem reais. Na verdade, o que concebemos como obje­tos tangíveis não passa de um equívoco. Nossas mãos vibram dentro da mesma freqüência do objeto que tocamos. É por isso que um objeto aparece sólido a nossos olhos. Com as mãos etéricas que criamos, pode­mos atravessar a matéria sólida. Podemos ver o objeto sólido como um sólido, mas a mão etérica pode atravessá-lo como fazem os raios X. Onde está, pois, a realidade que as pessoas chamam de sólida e tangível?

— Dentro do mundo material, vemos os objetos só depois que a luz incide sobre eles. Só temos capacidade para ver a superfície dos obje­tos. Nos mundos psiconoético e etérico, as coisas são bem diferentes. Não recebemos as vibrações comuns à visão, mas as inerentes e exis­tentes dentro do objeto. Podemos ver algo em todos os seus aspectos simultaneamente.

— Isso significa — acrescentei — que, se no plano material den­so eu vejo uma cadeira, não tenho meios de saber o que se esconde por trás dela, uma vez que só a posso observar a partir de uma certa perspectiva. No mundo psíquico posso me colocar dentro da cadeira e conhecê-la em todos os seus detalhes.

— Exatamente. Agora, com que luz captamos as vibrações den­tro dos mundos psíquicos? No reino das quatro dimensões, cada átomo, cada molécula tem luz própria. Não é necessário que haja uma fonte de luz que ilumine as superfícies. No entanto, com a imaginação, você pode criar um Sol ou outra coisa que lhe agrade. Na realidade, para ver o mundo psíquico você não precisa de Sol. É devido a isso que os mís­ticos da Idade Média chamavam o mundo psíquico de "plano astral".

— Não se esqueça de que tudo o que existe no plano material tem seu correspondente etérico, psíquico e noético. De outra forma, não poderia existir. Há coisas que existem no plano psíquico mas que não existem no plano material. Existem coisas no plano noético que não existem no plano material ou no plano psíquico. Mas nada existe de material que não possua uma réplica etérica, psíquica e noética. Quando me encontro na quarta dimensão, posso harmonizar-me com o objeto compreendê-lo na sua totalidade. Então, experimento certas sensa­ções associadas ao objeto, como prazer, dor e semelhantes. Posso tam­bém compreender o objeto com meu corpo psíquico? Para fazê-lo, pre­ciso ver o objeto na sua natureza noética e compreendê-lo com meu corpo noético, com meu poder mental. Então, repetindo, existem os mundos material, psíquico e noético. Chamamos aos dois últimos de mundo psico­noético, porque o mundo psíquico não tem condições de existir por si. Eu vejo as coisas do seguinte modo: tudo o que existe no mundo psíquico pre­cisa ter dentro de si o lado noético, porque o que chamamos de matéria ou substância psíquica não pode ter forma ou cor, a menos que provenientes do plano noético. O mundo psíquico é como um espelho sem forma, a menos que associado ao plano noético análogo que o molda.

— O plano psíquico dá a impressão de ser uma folha de papel em branco — observou Emily.

— Sim, mas sobre a qual se reflete tudo o que existe dentro do mundo material e do plano noético. Falando estritamente, portanto, o elemento psíquico precisa ser moldado por outros meios.

— É uma substância infinitamente maleável — acrescentei.

— Exatamente. Todos os infernos, paraísos e purgatórios em que as pessoas se encontram estão lá. Mas eles existem no mundo psíquico, porque a pessoa que os criou vive dentro do mundo material e do mun­do noético. Dos três, o mundo mais real é o mundo noético. Ele tem primazia sobre os outros dois. Tanto o mundo material como o mundo psíquico são espelhos que refletem o que existe dentro do mundo noé­tico, que você chamou de mundo das idéias.

— Dentro dos mundos psiconoéticos, as cores são mais vívidas e aprimoradas que no plano material. As cores, como tudo o mais, são simplesmente freqüências vibratórias. Como pintor, vivo sempre encan­tado com a textura das cores que vejo nos mundos psiconoéticos. Ali as tonalidades são vivas. A gente não só as vê como as sente. Acredite-me, esses mundos que você chama de "sonhos" são mais reais que este mun­do de pó e sujeira.

— E a gente não fica sabendo disso, a menos que passe por essa experiência? — perguntou Emily.

— Algum dia você passará por essa experiência, sobretudo se trei­nar. Suponhamos que você passe pela experiência da morte do corpo material. Não creia que, automaticamente, saberá o que lhe aconteceu. Encontrei lá ateus que ainda teimavam que Deus não existia. Levavam a mesma vida de sempre, como se vivessem no plano material. A pessoa precisa de um longo treinamento para se compenetrar do que lhe está acontecendo. No mundo psíquico, a percepção clara das coisas não nasce automaticamente.

— O que significa, então, alguém raciocinar em sonho? — pergun­tei, lembrando minhas próprias experiências.

— Significa que esse alguém vive conscientemente dentro desse plano. Mas por que falar em "sonho" e não em "contato com realidades de outra dimensão"? É gradualmente que se consegue viver total e cons­cientemente dentro de outras realidades. Os mestres vivem contínua e conscientemente nos mundos material, psíquico e noético. Eles sabem quando estão em cada um desses mundos e não os confundem. Estão cientes das diferenças entre eles. Quando, algum dia, você se tornar cons­ciente dos mundos psíquicos, estará apto a distinguir entre esses mun­dos e a réplica psíquica do mundo material.

— Qual a diferença? — perguntou Emily.

— Tudo o que é material, como disse antes, tem seu correspon­dente psíquico e noético. Ou então, não existe.

— Como você pode dizer, Daskale — falei —, se você está observando algo dentro de um plano puramente psíquico ou dentro da correspondente réplica psíquica do mundo material?

— Suponhamos que eu, em exomatose (EFC), venha a esta sala. Para ter a certeza de que me encontro num meio puramente psíquico, e não na correspondente réplica psíquica do mundo material, tento mover as coisas ao meu redor. Se noto que são muito pesadas para serem movidas ou erguidas, é sinal de que estou na réplica psíquica do plano material. A parte psíquica desta cadeira não pode ser movida do lugar a menos que a cadeira o seja. Se não posso movê-la, isso significa que minhas mãos estão no plano psíquico e não na réplica psíquica do mundo ou plano material. Que devo então fazer para mover a cadeira? Terei de diminuir as vibrações de minha mão psíquica, materializá-la e mover a cadeira, juntamente com sua réplica psíquica. Os mestres fazem isso o tempo todo. Como auxiliares invisíveis, abandonam seus corpos materiais e viajam para lugares distantes, onde ocorram guerras, terremotos e desastres dessa ordem. Quando chegam ao lugar a que se destinam, sabem se estão ou não na réplica psíquica do plano material. Sei, por experiência, que posso ver seres humanos, objetos, animais, árvores, tudo. Se quero ajudar um ferido, não posso fazê-lo a menos que materialize minhas mãos, para tirar-lhe a camisa e pensar-lhe as feridas. Acredite-me, isso é possível. Mas você não poderá fazê-lo, a menos que saiba como diminuir as vibrações para materializar-se a partir do plano psíquico, isto é, de cima para baixo.

— Mas se você tem capacidade para sair do seu corpo e viajar para longe, isso não implica também na habilidade e prática para materiali­zar-se lá? — ponderei.

— Não necessariamente. Muitas vezes as pessoas, devido ao seu grande desejo de ser útil, podem encontrar-se fora de seus corpos em lugares distantes; mas, a menos que sejam treinadas em materialização, nada poderão fazer. Acordarão pensando que tiveram um sonho muito real, o que acontece com os psíquicos comuns.

Assim que Daskalos acabara de falar, o telefone tocou. Atendi-o. Era uma chamada de Atenas. O correspondente americano de um dos principais jornais gregos desejava vir a Chipre encontrar-se com Daskalos e depois seguir para Washington, tudo no mesmo dia.

— Você está dizendo que quer vir de Atenas só para me ver? — ou­vimos Daskalos perguntar ao telefone. — ótimo. Chame-me assim que chegar ao aeroporto.

—Quem sabe? — disse Daskalos abanando a cabeça, enquanto punha o fone no lugar. — Talvez, de alguma forma misteriosa, tenha chegado a hora de esses ensinamentos atingirem o grande público.

— Bem, onde estávamos? — disse sentando-se e cruzando os braços.

— Daskale — falei —, Emily tem algumas perguntas a lhe fazer so­bre Freud, sobretudo em relação à sua teoria do subconsciente. — Antes, porém, que Emily dissesse qualquer coisa, Daskalos começou a discorrer sobre o que ele pensava do pai da psicanálise.


— Considerando a época em que viveu, Freud expôs o que era possível saber. Seu entendimento do homem representava a soma total da sabedoria disponível em termos de psicologia, que ainda está em es­tágio embrionário. Os psicólogos exploram a superfície do oceano, mas não suas profundezas. Por essa razão, nenhum psicólogo ou parapsicólogo pode nos dizer muito sobre como se forma a personalidade.

— No entanto, Daskale — aparteou Emily —, o século XX viu nas­cer impressionantes teorias sobre o desenvolvimento da personalidade.

— Talvez, mas ainda estão muito atrasados. Freud, assim como a maioria dos psicólogos de hoje chegou às suas conclusões teóricas ba­seado no estudo de outros assuntos. Não chegou às suas teorias baseado em experiência pessoal, através da auto-análise.

— Contudo — insistiu Emily — Freud fala da importância da subjetividade e de quão relevante é levar em consideração as experiências pessoais, coisa que nenhum outro cientista, que eu saiba, disse antes.

— Realmente, mas ele ainda estava no ABC do conhecimento. Talvez não tenha tido tempo de explorar mais a fundo a natureza hu­mana. E não nos esqueçamos de que Freud não estava no melhor de sua forma, nem física nem espiritualmente. Seus problemas pessoais interferiam no seu entendimento da realidade. Para o lugar e o tem­po em que viveu, ele era um cientista de primeira linha. Mas seu maior erro consistiu em desprezar a metafísica e o misticismo e, conseqüen­temente, seu entendimento da personalidade foi prejudicado.

— Quando falamos em subconsciência, inconsciência e superconsciência, nós o fazemos baseados em nossa própria experiência. O subconsciente, a nosso ver, constitui a essência fundamental da personalidade atual. É o subsolo do que denominamos consciência. Na realidade, não há diferença entre os dois.

— Freud — falou Emily — foi o primeiro a demonstrar que exis­tia essa coisa chamada inconsciente.

— Ótimo, para a ciência moderna, foi ele o primeiro. Os místi­cos sabem disso há séculos.

— Talvez ele tenha falhado quanto à precisa definição do que seja o inconsciente — comentei, um tanto divertido com o debate en­tre Daskalos e Emily.

— Mas é possível definir o inconsciente? — perguntou Emily.

— Claro que sim. Nós podemos — replicou Daskalos com firmeza, com seu típico ar confidencial.

— Afinal, o que foi que Freud fez? Ele estava numa canoa e, pela primeira vez, olhou para baixo, pôs a mão na água e descobriu que o mar é fundo. Porém, não era um mergulha­dor. Se fosse, saberia o que significa a profundidade do oceano. Falou da água sob a superfície, em teoria. Nunca mergulhou para saber, co­mo um mergulhador, o que existe lá embaixo. Na Pesquisa da Verdade, visamos nos tornar bons mergulhadores e atingir as profundezas do nosso subconsciente.

A metáfora de Daskalos sobre Freud lembrou-me uma anedota, citada por Amaury de Riencourt (O Olho de Shiva), a respeito da dife­rença entre o pensamento oriental e o pensamento ocidental. Numa en­cruzilhada havia duas placas: uma apontava para a direita com o seguin­te aviso: "Para o céu"; a outra apontava para a esquerda com a inscri­ção: "Conferência sobre o céu." Dois viajantes, um oriental e outro oci­dental, caminhando lado a lado, aproximaram-se do local. O ocidental seguiu para a esquerda para ouvir as "conferências sobre o céu"; o orien­tal continuou sua rota, direto para o céu.

— Quando você se refere à subconsciência, Daskale — perguntei depois de um tempo —, também está se referindo à inconsciência?

Não. A subconsciência, como já mencionei, é a grande força da existência. É o material com o qual todo o edifício da vida é cons­truído. É a soma total dos elementais que formam a personalidade atual. Inconsciência significa que a consciência se encontra num estado não-re­ceptivo de impressões. Esse estado pode ser alcançado com uma injeção de morfina. A inconsciência, realmente, não é a nossa área. Para mim, a subconsciência transforma-se em consciência por eu estar, conscien­temente, imprimindo imagens nela. Isso é uma forma de dar nomes. O que é consciente para mim é subconsciente para você. Quando você diz a si mesmo que vai trazer algo à superfície da sua consciência, é o que você faz sempre subconscientemente. Na realidade, só existe um estado, chame-o de autoconsciência se quiser. Nesse estado de autoconsciência existem muitas câmaras, dentro das quais você precisa trabalhar e chegar a mestre.

— O que você consideraria a parte consciente de nossa persona­lidade atual? — perguntei, curioso.

— Não existe parte consciente. Tudo o que você perceber conscientemente ficará gravado no seu subconsciente. Na realidade, não existe uma parte consciente como tal, uma vez que não existe um ponto estável.

— Suponha — prosseguiu — que nosso eu interior seja como uma esfera que precisamos conhecer. Neste exato momento, conseguimos conhecer uma pequena parte dessa esfera. Podemos chamar a esta par­te de parte consciente?

— Mas quem é que está conhecendo? Você tem, como base, a personalidade atual. Por que não fundir a personalidade atual com o eu interior? Fazendo isso, você se torna uno com ele e então saberá tudo. Por que dar tanta importância ao "conhecer", a ponto de identificá-lo com o "consciente", como se o consciente fosse superior ao subcons­ciente? O subconsciente é você.

— Sabe quando você poderá entender o que eu estou dizendo? — perguntou Daskalos recostando-se à cadeira. — Quando parar de levar sua personalidade atual tão a sério.

— Mas, no final das contas, é a personalidade atual que tem que conhecer.


— É justamente por isso que não lhe deve ser permitido tomar o cetro e liderar a jornada. Por que colocar o subconsciente num pla­no inferior em relação à quimera que as pessoas chamam de parte cons­ciente? Agindo assim, damos prioridade e peso à personalidade atual e retardamos nosso crescimento espiritual. A personalidade atual julga-se a parte mais importante. E não é. A parte consciente do eu interior é a expressão espaço-temporal do subconsciente. Por que dar tanta impor­tância ao pouco que sabemos hoje e considerar o momento presente como o mais sério? A cada momento que passa, o subconsciente tor­na-se consciente e o consciente, subconsciente. O que você denomina consciente eu chamo de quimera. O subconsciente, por outro lado, re­siste à dissolução do corpo material.

— Suponha — prosseguiu Daskalos — que exista uma bela gale­ria com centenas de objetos de arte e que eu lhe diga: este é o seu tesou­ro, o seu subconsciente. Você, então, resolve ir dar uma olhadela nesse tesouro que é seu. Cabe a você escolher por que lado da galeria começar. Não poderá ver as telas se não usar a lanterna que traz na mão. A lanterna é o que você chama de parte consciente, que eu preferiria chamar de foco do pensamento. Embora agora você só possa ver trechos da galeria com a ajuda da lanterna, dia virá em que você mesmo será a luz que ilumina a galeria inteira. É o que chamo de autoconsciência superconsciente, estado que conheço por experiência mas que não posso expressar com palavras.

— Penso, Daskale, que uma vez que você tenha se tornado cons­ciente da sua galeria, lhe seja possível adentrar a galeria do cosmos, que é a mesma para todos os seres humanos — observei, baseando-me na idéia do inconsciente coletivo de Jung.

— "As poucas moedas que coloquei em suas mãos" — concluiu Das­kalos citando Jesus — (isto é, a habilidade de pensar em grau espaço-temporal limitado) "você transformou em algo muito maior." Quem pode lhe afirmar que um dia essa galeria, isto é, o seu subconsciente, não venha a exercer domínio sobre todo um planeta? Os cristãos têm ouvido essa parábola há séculos. Mas quantos você acha que penetraram realmente na profundidade do seu significado?

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Um cérebro artificial em 10 anos ?


Um cérebro humano artificial ‘poderá ser construído’ em dez anos


Um abuso da linguagem corrente nomeia erradamente de “cérebros eletrônicos” o conteúdo dos nossos computadores e os chips dos nossos aparelhos eletrônicos. Salvo que nenhum desses dispositivos tem a arquitetura ou as funções de um verdadeiro cérebro. Desde 2005, entretanto, um enorme projeto de simulação em computadores, chamado de “Blue Brain Project” (Projeto Cérebro Azul), persegue o objetivo de construir, em dez anos, o primeiro “verdadeiro” cérebro eletrônico.

A reportagem é de Jean-Michel Bader e está publicada no jornal francês Le Figaro, 31-07-2009. A tradução é do Cepat.

Como lembrou no dia 24 de julho último Henry Markram, da Escola Federal Politécnica de Lausanne, na Suíça, e diretor do projeto, na Conferência Acadêmica Global TED, na cidade de Oxford, na Inglaterra, trata-se mais exatamente de simular a arquitetura e o funcionamento do neocórtex dos mamíferos com a ajuda de um supercomputador IBM da família Blue Gene, o terceiro supercomputador mais veloz (136 teraflops) do mundo. Essas máquinas podem efetuar simultaneamente trilhões de operações por segundo.

O Blue Gene é capaz de analisar em tempo real tanto os sinais radioastronômicos no contexto de pesquisas sobre a origem do universo, como simular, sempre em tempo real, a disposição das proteínas. Performances que fazem dele um bom candidato para modelar o cérebro.

Os pesquisadores se concentraram sobre uma coluna do córtex dos mamíferos. Dito de outra maneira, unidade funcional que empilha verticalmente 10.000 neurônios de mais de 200 tipos genéticos diferentes. Foi preciso, para alimentar o modelo, utilizar os dados de mais de 15.000 experiências individuais efetuadas em laboratórios do mundo inteiro sobre neurônios em cultura.

Com esses dados, a equipe de Markram criou no Blue Gene uma coluna virtual de neurônios corticais onde são imitados a arquitetura, a morfologia e o funcionamento de uma rede de 10.000 células em três dimensões. O equivalente a um laptop é necessário para efetuar os cálculos e a simulação de um único desses neurônios, razão pela qual o Blue Gene, e seus 10.000 computadores foram escolhidos.

Esse é apenas o começo, mas a fase 1 da experiência acaba de ser concluída: o modelo “vive” na máquina. Os pesquisadores apresentaram a esse cérebro in silico imagens e mediram a sua atividade elétrica de resposta: “Você estimula o sistema, e ele cria a sua própria representação” a partir desta simulação inicial, explicou Henry Markram. O objetivo final desta primeira fase é extrair esta representação e observá-la para ver como o cérebro percebe o mundo.

Não basta conhecer, descrever e imitar todas as regras que regem as comunicações entre as células nervosas. A equipe de Lausanne quer descer ainda mais profundamente em cada célula, ao nível molecular das estruturas e das trocas!

Markram lembra que o neocórtex que apareceu na espécie humana “é, na realidade, um novo cérebro. Os grandes mamíferos tinham necessidade de um instrumento cognitivo para a educação de sua prole, para as interações entres os membros da tribo, e para as funções superiores”, como as emoções ou a reflexão. “Isso teve um tal sucesso na evolução que o tamanho desse córtex foi rapidamente multiplicado por mil”.

O projeto é faraônico: hoje, uma única coluna de córtex é reproduzida na máquina da IBM. O nosso córtex contém em torno de um milhão dessas unidades funcionais. Para estudar um cérebro completo, será preciso inventar uma máquina um milhão de vezes mais potente que o Blue Gene. Esta ferramenta poderia servir para compreender e tratar as doenças mentais ou, se as diferenças entre as espécies forem elucidadas, para dialogar com os animais...

Os robôs inteligentes revelam velhos medos


O desenvolvimento de tecnologias cada vez mais aperfeiçoadas leva os cientistas a se perguntar: o que poderá acontecer se elas saírem do nosso controle?

A reportagem é de Jean-Michel Bader e está publicada no jornal francês Le Figaro, 31-07-2009. A tradução é do Cepat.

Em julho, a Associação para o Avanço da Inteligência Artificial tornou público o conteúdo de uma reunião secreta que aconteceu em fevereiro passado em Asimolar, na Califórnia. Cientistas especializados em computadores, pesquisadores nas áreas da robótica e da inteligência artificial estão preocupados com os avanços de sua ciência, e solicitaram um enquadramento estrito das pesquisas que, mais cedo ou mais tarde, poderiam resultar na perda de controle do homem sobre as máquinas.

Os fantasmas da ficção científica, dos “prometeus robóticos” ou das inteligências artificiais demoníacas que sonham em se libertar de seus mestres humanos, nascidos nos anos 1950 com os romances de Isaac Asimov, foram com frequência tratados no cinema: desde 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick (1968), em que o computador HAL 9000 mata os astronautas, até Terminator, de James Cameron (1986), no qual a rede eletrônica Skynet detonou uma guerra impiedosa contra a humanidade. E muitos outros.

Atualmente, o que os cientistas temem é menos um complô dos computadores ou a geração espontânea de superinteligências nascidas da internet, do que a perda de controle de drones [aeronaves não tripuladas de finalidade estratégica militar] equipados com armas, capazes de atirar automaticamente, e de trocar de alvo sem aviso prévio! Há também o risco de desvio por parte de criminosos de consequências da inteligência artificial como os sintetizadores de voz humana. Outras ameaças decorrentes do seu emprego, como os veículos sem piloto, os robôs domésticos ou a secretária eletrônica, estão às nossas portas. A profecia do matemático inglês Jack Good, que previa uma explosão da inteligência das máquinas capazes de criar outras mais inteligentes ainda, remonta a 1965.






Fontes: