terça-feira, 7 de julho de 2009

O capitalismo tecno-niilista



Uma liberdade ilimitada, absoluta, indiferente a normas e a freios. Uma liberdade muitas vezes aparente, quebrada, que limita os homens, mais do que estimulá-los a se realizar, que os isola, mais do que os ajuda a criar solidariedade. É a liberdade do capitalismo tecno-niilista, o mundo marcado pela racionalidade científica e vontade de poder – econômico, político, existencial – relatado por Mauro Magatti em "Libertà immaginaria. Le illusioni del capitalismo tecno-nichilista" (Editora Feltrinelli, 432 p.).

A reportagem é de Roberto Festa, publicada no jornal La Repubblica, 06-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"Estamos dentro dessa liberdade há pelo menos 30 anos, mas já estamos no fim do ciclo", explica Magatti, que leciona sociologia na Católica de Milão e que dedicou os últimos dez anos de sua vida ao estudo do capitalismo tecno-niilista. Seu livro publicado é vasto e complexo, que vai de Max Weber a Friedrich Nietzsche, de Pierre Bourdieu a René Girard, enfrenta diversas palavras chaves das nossas vidas – liberdade, e depois justiça, identidade, poder –, busca seguir algumas correntes profundas da modernidade. "Mas só algumas. A vida social é como o mar, mas não se pode estudar o mar. Muito grande. Muito majestoso".

Eis a entrevista.

Mauro Magatti, como o capitalismo tecno-niilista se afirma?

As duas alas desse capitalismo são historicamente o neoliberalismo thatcheriano, reaganiano, que se afirma no início dos anos 80, combinado com a herança dos movimentos juvenis e libertários dos anos 60, marcados por fortes estímulos antiautoritários, pela ideia de que existe um espaço de subjetividade que deve ser protegido e ampliado o máximo possível. Esses mundos criticam o equilíbrio institucional e econômico que havia se imposto no segundo pós-guerra. Afirmam a ideia de que todos são capazes de dar um sentido individual à própria vida, que todos podem ser livres por conta própria.

Por que o capitalismo, que, a partir do segundo pós-guerra havia oferecido uma certa estabilidade de figuras sociais e valores, tem a necessidade de, em um certo ponto, colocar o acento no indivíduo?

Porque é um capitalismo que evade do quadro das fronteiras nacionais, que se dá objetivos de crescimento globais, supranacionais: em termos de descoberta de matérias-primas, de organização da produção, de busca de novos mercados. O capitalismo tecno-niilista leva a uma redução da integração social, em base nacional. Ele acredita que os significados podem ser alocados apenas no plano subjetivo.

O sujeito social que deriva daí é muito mais isolado, fragmentado, descolado do contexto?

Mais do que a imagem da solidão, usaria a da desobediência. As sociedades avançadas criaram um sujeito social que se assemelha sempre mais ao adolescente, que sai de casa e vive a embriaguez de estar longe do olhar opressivo dos pais. Como o adolescente, o cidadão do Ocidente democrático também acredita que liberdade significa fazer aquilo em que se acredita. O problema não é voltar à fase anterior, a da autoridade paterna. Mas conseguir gerir a liberdade sabendo que há limites, sem os quais a liberdade é destrutiva.

Todos nós queremos ser mais livres. Conseguiremos?

Não me parece. A nossa liberdade se tornou abstrata, indiferente ao fato de que a liberdade é sempre historicamente fundada, que a liberdade nunca está separada da oportunidade, da ética da responsabilidade, do respeito às liberdades dos outros. Acreditamos ser mais livres. O título do meu livro, Liberdade imaginária, permite que muitas dúvidas surjam.

Pode dar um exemplo?

O trabalho precário. Há anos, para o meu trabalho de sociólogo, realizei uma pesquisa entre os precaristas italianos. Partes inteiras desse mundo eram subjugadas pela ideia de que o trabalho flexível não era tão mal assim, que aumentava a liberdade individual, a possibilidade de mudar e de escolher. Porém, não acho que a flexibilidade tenha aumentado as oportunidades. O fato é que a liberdade, despojada das suas características individuais, históricas, se tornou o discurso fundador das nossas sociedades. Quem controla esse imaginário vence.

A direita o controla?

Bem, sempre me pareceu muito significativo que Silvio Berlusconi tenha escolhido o termo "liberdade" para marcar o seu povo. Administrar o discurso sobre a liberdade significa gerir a hegemonia.

Quais grupos sociais sentiram mais esse duplo processo: exaltação – e esvaziamento – do conceito de liberdade?

Seguramente, a classe média-baixa. Os recursos subjetivos, culturais, necessários para navegar na época do capitalismo tecno-niilista são enormemente superiores às que devem ser colocadas efetivamente à disposição. Daí surgem os êxitos neomágicos que essa cultura tem sobre a classe média-baixa. A ideia é que a liberdade pode se realizar por meio de eventos extraordinários, fora de todo controle: a vitória em um quis, como no filme "The Millionaire", ou a entrada em um mundo dourado – como o dos condomínios e festas dos poderosos – que te fazem dar um salto imediato, econômico e social.

Que tipo de liberdade é essa que pedem hoje no Irã?

A minha análise, obviamente, se refere ao mundo ocidental. Daquilo que posso ler e ver na televisão, me parece que no Irã também está emergindo um modelo já experimentado. Da mesma forma que as sociedades crescem – sob o perfil institucional, econômico, da educação –, surge também uma instância subjetivista. O indivíduo exige um espaço de liberdade mais amplo, as instituições autoritariamente construídas vão se chocar contra a tomada de consciência do indivíduo.

A crise financeira dos últimos meses é produto dessa cultura da liberdade?

As finanças internacionais, nestes anos, foi guiada sobretudo por um conceito: fazer tudo o que for possível, tecnicamente, sem levar em conta toda consideração de sustentabilidade. Também aqui a vontade de poder, evocada como verdadeira energia que sustenta o crescimento, levou a riscos impressionantes e à subavaliação de regras e limites.

A crise encerra o ciclo do capitalismo tecno-niilista?

Sim, acho que há sinais disso. A eleição de Barack Obama é um deles. Obama faz aos americanos um discurso de crescimento ordenado, de desenvolvimento duradouro e sustentável. Ele imagina poder unir a ideia da produção, do desenvolvimento, a objetivos dotados de sentido. A pergunta é: somos capazes de colocar sob controle a nossa vontade de poder, técnica e existencial, orientando-a a alguns grandes objetivos coletivos?

O senhor tem uma resposta?

As democracias têm grandes recursos. Mas é um processo longo e complicado.

Há alternativas?

Bem, há quem defenda que a crise destes meses não se assemelham à de 1929, mas sim à de 1907, que desembocou na Primeira Guerra Mundial. A desembocadura do capitalismo tecno-niilista poderia ser um grande conflito internacional. A vontade de poder, o mito da liberdade absoluta, criou opiniões públicas famélicas, incapazes de qualquer tipo de autolimitação. Muitas vezes, quando você não consegue mais sustentar o crescimento interno, você se une a alguém no exterior.

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