terça-feira, 22 de julho de 2008

Compaixão viva


PSICANÁLISE E SURTO PSICÓTICO: CONSIDERAÇÕES SOBRE ASPECTOS TÉCNICOS (1)

Roosevelt M. S. Cassorla (2)

O trabalho visa discutir aspectos técnicos em psicanálise de pacientes psicóticos, principalmente em surto. Inicialmente descrevem-se vicissitudes da dupla analítica frente ao cataclismo psicótico. Enfatizam-se características necessárias da mente do analista que a permitam ser receptiva à invasão de destroços mentais, vivenciando-os, para tentar reconstitui-los. A interação entre catástrofe e mente do analista conduz a problemas técnicos, controversos. São discutidos: 1) O impasse necessário, situação em que a psicanálise não mais daria conta do processo, tendo que apelar para outras áreas do conhecimento. Demonstra-se sua utilidade para o aprofundamento posterior da análise. 2) A percepção intuitiva, comunicação sem aparente mediação entre mentes, que, se bem utilizada permite um contato profundo intra-dupla. 3) A pessoa real do analista, onde se propõe que cada analista tem uma “forma de ser” própria, que vai além de sua formação analítica. Essa “forma de ser” facilita ou dificulta o contato com determinados pacientes. Chama-se também a atenção para a necessidade do analista cuidar de sua própria mente, sujeita a atividade insalubre.
O trabalho é concluído descrevendo-se características da psicanálise atual, enfatizando-se a liberdade, espontaneidade e criatividade da dupla, em detrimento da rigidificação da técnica, o que costuma levar a encaixes teóricos forçados e desvitalização do processo.


“A crise psicótica esgarça a trama tecida pelo tempo, irrompe, rompe, paralisa, impõe seu tempo, sua realidade, seu princípio de “irrealidade”. A psicose nos defronta com o problema da ruptura: o diálogo interior entra em crise, está cindido, feito em pedaços, fragmentado, desmantelado, disperso. A experiência psicótica de um mundo que explodiu em pedaços é a exteriorização de um cataclismo interior, de um tempo apocalíptico que viola as barreiras do exterior. Há um momento em que é difícil “situar” os fragmentos, saber se estão “dentro” ou “fora”; alguns, ligados à função linguística, continuam seu discurso autônomo e dismórfico, mas “em outro lugar”, em outros espaços, em outros tempos, em outros “mundos”. Da mesma forma que se perde o horizonte que delimita subjetividade e objetividade, perde-se também a “objetividade”, o sentido da realidade; os objetos internos se con-fundem com os externos, isto é, perdem sua alteridade, alienando a condição de sujeito pensante e que sente. As noções de alteridade e identidade entram em crise e se extraviam. O ser, submergido na situação, perde sua visão interior, ponto de partida de uma concepção ontológica de “homem interior” (Plotino) e do conceito de “insight” (Freud). Na crise se adquire uma perspectiva espaço-temporal que não segue necessariamente as regras e leis da geometria euclidiana. As perspectivas, os valores categoriais são “outros”, reinventados ou diferentes, na situação de crise. (RESNIK, 1986, p. 50).


Esta descrição da psicose, do surto psicótico, é familiar a todos os que lidamos com pacientes seriamente perturbados. Ela foi escolhida, para introduzir este trabalho, porque consegue dar-nos uma idéia bastante precisa do mistério terrificante da psicose sem prender-se a teorizações específicas. Por isso, qualquer que seja a teoria psicanalítica que apreciemos, ela poderá ser facilmente defrontada com a descrição.
O objetivo deste trabalho é discutir alguns aspectos controversos da técnica psicanalítica, nessas situações, e em consultório. Evitarei, na medida do possível, utilizar conceitos escolásticos, tentando ater-me a fatores comuns às várias teorias, mas nos interstícios não poderei esconder a influência de autores provindos originalmente da escola kleiniana.(3)
Suponho que, caso as influências tivessem sido outras, minha percepção do assunto não seria diferente, em essência, pois eu continuaria basicamente a mesma pessoa.
Creio que o ter redigido a última frase se coaduna com a importância que darei, neste texto, à pessoa do analista. Isso, porque quando lidamos com psicóticos, mais do que com qualquer outro tipo de analisando, a indispensável capacidade de captação de fenômenos emocionais primitivos, por vezes desvinculados da percepção do próprio paciente, dependerá de características da mente do analista. Ainda que saibamos que não existe analista sem paciente e que ambos constituem uma entidade virtual, que vai além de sua somatória.(4).
Neste trabalho abordarei três pontos, controvertidos, como estímulo para a troca de experiências: 1) o que chamo impasse necessário, uma situação particular em que não há possibilidade de agir através da psicanálise, a dupla criativamente tendo que apelar para outras áreas do conhecimento. 2) o que denomino percepção intuitiva, um fenômeno de comunicação primitiva, intra-dupla, sem mediação aparente. 3) a importância da pessoa real do analista, no tratamento de pacientes severamente perturbados.

1. ALGUMAS VICISSITUDES DO TRABALHO COM PSICÓTICOS

Para finalidades técnicas, sustento que consideremos o surto psicótico que está
ocorrendo durante o processo analítico como consequência de vicissitudes transferenciaiscontratransferenciais.
Esta visão permite que não nos afastemos do vértice analítico, ainda que saibamos que existem outros fatores, externos ao processo, conhecidos e desconhecidos. Não ignoro esses fatores: apenas proponho que os deixemos entre parêntesis, já que eles deverão, em teoria e na prática, repercutir na relação analítica. Mas, nada impede que a equipe multiprofissional, que cuida do paciente extra-analiticamente, possa tomar providências em relação a situações concorrentes, lidando com fatores biológicos, a família e o ambiente, por exemplo. Essa equipe deve sempre existir, quando lidamos com pacientes graves, protegendo a relação.
Seja o surto ocorrido durante a análise, ou a análise sendo efetuada em paciente que vem em surto, temos que trabalhar psicanaliticamente, mas levando em consideração fatos que serão comentados a seguir. Evidentemente, acreditamos que, por mais perturbado que o paciente esteja, existem aspectos não psicóticos, através dos quais poderemos ter acesso à parte psicótica, como vários autores têm demonstrado.(5) Não nos esqueçamos, também, que o surto pode constituir-se num momento ímpar propiciador de re-articulação de elementos, num nível mais evoluído, ou ser o resultado de uma crise evolutiva, como costuma ocorrer com adolescentes (LAUFER, 1986).
Sabemos que o problema básico, na psicanálise de psicóticos, é poder entrar em seu mundo perturbado, e deixar que esse mundo nos penetre. Mergulhar profundamente num espaço “ anespacial” ou infinito, num tempo interminável ou comprimido, num mundo em que não existem referenciais coerentes, permeado de violência e morte impensáveis, nos seria totalmente impossível se não tivéssemos vivido experiências similares, que continuam como ruínas “arqueológicas”, em nosso mundo interno. O desafio do analista será entrar em contato profundo com a loucura que permeia o trabalho da dupla, confrontando e por vezes deixando que se misturem aspectos psicóticos do paciente com os dele mesmo, sem que enlouqueçamos.
Desenterrar esses aspectos arcaicos é um trabalho penoso e que demanda preparo e coragem.
Isso se aprofunda em nossas análises pessoais, mas, salvo resistências, a escavação prossegue, pelo resto da vida. O analista que trabalha com psicóticos sabe e comumente deseja que seu paciente o ajude a desvelar melhor suas próprias vivências primitivas, correndo os riscos a isso inerentes.
Pacientes em surto psicótico nos levam a rever os procedimentos estandartizados da psicanálise, quando eles são compreendidos de forma rígida. Estaríamos bastante perturbados se desejássemos que nossos pacientes, ainda mais em surto, se comportassem associando livremente, deitados placidamente num divã, que nos ouvissem segundo os códigos acertados da linguagem simbólica e pensassem sobre o que está ocorrendo. Tudo isso, num tempo cronológico convencional. O paciente psicótico não pode fazer isso, ele está em “outro mundo”, ou num “não mundo”, sem referenciais ou com referenciais estranhos aos nossos.
Forçá-lo a isso o deixará mais perturbado, totalmente incompreendido, e o levará a desconfiar (com razão) que seu analista nada entende do que está ocorrendo, funcionando como um objeto louco e enlouquecedor (6).
O analista, para poder entrar em contato com seu paciente, terá que deixar-se invadir pelos aspectos psicóticos, de uma forma controlada. Isso é possível se o profissional efetuauma cisão sadia, em que uma parte de nossa mente se deixa tomar e entra dentro do mundo psicótico, enquanto outra parte observa o que ocorre, no analista e na dupla analítica. Dessa forma, tentamos decifrar os códigos incompreensíveis do mundo psicótico, a partir de nossas próprias experiências. Esperamos que o paciente, com o tempo, faça o mesmo, introjetando aspectos da função analítica. Mais ainda: a relação analítica permitirá que a dupla, durante o processo de decifração, viva novas experiências, criando sentidos e significados nunca vividos pelo paciente.
É praticamente unânime entre os analistas a importância do uso da contratransferência como instrumento, no trabalho com psicóticos, mas vou considerar que as várias definições e vicissitudes quanto a sua conceituação e funções são de amplo conhecimento. Explicitarei apenas que considero a existência de uma só entidade, a unidade funcional transferência-contratransferência.
Será chamada somente ‘contratransferência’ se privilegiamos a focalização no analista. Fique claro que, se entram no jogo interativo conteúdos internos do paciente, também entrarão os do analista. Mas, ao contrário daquele, o profissional deve saber separar contratransferência prejudicial daquela que levará a desenvolvimento do processo. O que nos interessa é o uso que o analista pode fazer dos derivados de sua contratransferência, resultado da interação de aspectos da mente do analista com o mundo psicótico do paciente, e que podem ser esquadrinhados e compreendidos como produtos do campo analítico.
Parto do pressuposto que o psicanalista deve efetuar tudo o que estiver ao seu alcance para que o paciente aproveite a crise produtivamente, proporcionando-lhe condições para tal. O caminhar do processo analítico em pacientes psicóticos difere pouco do que ocorre com os pacientes em geral, ainda que ali tudo ocorra de uma forma mais intensa e confusa, com maior grau de comunicação não verbal e pensamento concreto, e a transferência sendo, ao mesmo tempo, intensa e frágil. O analista, permeável aos aspectos estranhos, expelidos violentamente pelo paciente, deve considerar as várias funções dessa expulsão, resultante de explosões/implosões maiores ou menores da mente e seus conteúdos. O paciente nos avisa, como pode, que essa ruptura está ocorrendo, e os produtos fragmentados, que nos atingem como se fossem projéteis, também podem dar-nos pistas sobre outras funções estimuladoras ou
decorrentes da catástrofe, tais como controlar o objeto ou destruí-lo, fundir-se com ele com finalidades de proteção, eliminar aspectos insuportáveis, etc.
Proponho que consideremos, sempre, a existência de um aspecto comunicativo, um assinalamento para que o analista tente aproximar-se compreensivamente dos fenômenos que estão ocorrendo.(7).
Como estamos numa relação em que as leis da lógica de pouco nos valem, em que a simbolização está prejudicada, e em que os fenômenos são principalmente não verbais, teremos que apelar, mais do que em qualquer outra situação analítica, para nossos sentimentos, emoções, reações, fantasias, devaneios, sintomas físicos, etc. (a “contratransferência como instrumento”), no maior grau de profundidade possível, o que nos faz retomar, de alguma forma, nossas experiências arcaicas. Para podermos perceber os elementos eliciados em nós mesmos pela transferência do paciente, temos que sentirmo-nos suficientemente livres, e isso dependerá de nossa análise pessoal e das características de nossa personalidade. O preceito técnico que nos leva ao estado necessário para entrar em contato com as fantasias inconscientes que transitam no campo analítico é a clássica atenção flutuante freudiana, dissecada como “sem memória, sem desejo”, e sem intenção de compreender (BION, 1967), buscando-se ativamente um estado alterado de consciência, similar ao sonho (BOYER, 1994), “sonhando-se” o “sonho” do paciente, que é um novo “sonho”, a dois (BION, 1962; FERRO, 1997).
A possível compreensão que o analista terá dos fatores envolvidos na explosão/implosão psicótica não pode ser somente intelectual. Certamente é altamente desejável que não o seja, durante a sessão. A compreensão tem que ser emocional, vivenciada e, por isso decorre da identificação do analista com os fenômenos que permitiu que o invadissem, ou que, mesmo evitando-os, o atingiram. Geralmente, antes que surjam pistas para a compreensão existe uma fase, mais ou menos longa, de não compreensão. Essa fase deve ser pacientemente tolerada até que surjam pistas produtivas (ou o “fato selecionado”, para BION, 1962). Este processo pode continuar fora da sessão, e partimos do pressuposto que envolvem componentes contratransferenciais. O analista utiliza sua contratransferência também para sentir a ameaça ou proximidade de colapso. Propus em outro trabalho (CASSORLA, 1995) que: “a continuidade da sensação, por parte do analista, de não compreensão, de que o paciente ‘está indo embora’, que predomina uma desesperança em relação a obter contato emocional, é bastante significativo de que algo muito grave está acontecendo, incluindo-se a possibilidade de um ato suicida”. O mesmo ocorre face à ameaça de um surto psicótico, e a sensação de caos, medo e incerteza também aparecem8. No caso do surto que antecipa o suicídio propus que “a tranquilidade angelical, mística, repentina, aparecendo após um período extremamente turbulento, indica que o ato está para ser consumado nas próximas horas”.
A patologia da compreensão redunda na incompreensão: o analista, devido à intensidade e complexidade dos fenômenos, associado à intolerância frente à não compreensão, fica perdido e/ou cria uma teoria defensiva sobre o que estaria ocorrendo. Este fenômeno comumente se associa à falta de condições mentais do profissional, que pode ser atingido em seus aspectos mais profundos. O paciente incompreendido reintrojetará os elementos projetados de forma ainda mais terrorífica. A continência (que deve ser diferenciada do suporte (9)) implica na transformação, pelo analista, dos fenômenos psicóticos, indizíveis, não simbólicos, em algo possível de ser pensado (uso da função alfa, para BION, 1962). Esses fenômenos, não mais terroríficos, são re- introjetados pelo paciente. A boa continência harmoniza fenômenos não verbais com nomeações simbólicas. O desacordo entre eles sinaliza falhas: por exemplo, a compreensão apenas intelectual é uma incompreensão. O mesmo se diga das vivências sem conceito.
Os fenômenos verbais do analista incluem desde assinalamentos, confrontações, esclarecimentos, perguntas, até interpretações superficiais ou sofisticadas, e os não verbais são fenômenos sutis, difíceis de descrever, ou ações, que devem decorrer de um acolhimento compreensivo. O que fazer, como e quando, dependerá da capacidade do analista identificar-se com as ansiedades, mecanismos e recursos do paciente. Por exemplo, interpretações decodificadoras saturadas, “fortes” (no sentido de FERRO, 1995), quando precoces, podem provocar contra-reações derivadas de “indigestão” pela mente danificada do analisando.
Colocações metafóricas ou abstratas, em momentos inadeqüados, podem ser ouvidas de forma concreta, promovendo rupturas no processo. Assinalamentos sobre o funcionamento da mente costumam ser úteis, enquanto se vai testando, cuidadosamente, a capacidade de escutar interpretações transferenciais, sem que o paciente se sinta perseguido ou subjugado de forma
insuportável. Etc.(10).
Paula (CASSORLA, 1997), uma jovem em surto, ainda na primeira entrevista, se acalma quando lhe mostro que expeliu alucinatoriamente parte de sua mente aterrorizada, para um canto de minha sala, de onde fugiu assustada, sentando-se próxima a mim. Conta-me que seu namorado tem a ver com isso. É ele que faz com que apareçam na televisão os pensamentos dela.
Conversamos sobre ele entrar dentro dela, roubar-lhe os pensamentos e dispersá-los pelo espaço - com isso se sente vazia. (Penso também que estamos iniciando um namoro, o analista-namorado intruso podendo ser responsabilizado pela exposição de destroços mentais, mas dizer-lhe isso a ameaçaria mais, fechando a possibilidade de ampliação do campo).
Concorda com minha colocação, acenando a cabeça, e me pergunta como se chama o seu problema, o que lhe está acontecendo. Sinto que se está desesperando, de novo, e precisa, pelo menos, dar nome a seu enigma. Sem pensar, pego uma folha de papel. Ela continua: "me vejo como uma repórter, vendo tudo o que eu penso na TV". Olha para a folha que estou segurando e me pergunta. "O que o sr. ia dizer ?" Coloco uma tampa de caneta sobre o papel, que mantenho firme por uma borda. Nada acontece. Acrescento uma caneta. A folha resiste. Explico-lhe: "tua mente foi sendo carregada, carregada, e de repente...". Coloco outro peso sobre o papel e tudo desaba, tampa, caneta, peso e papel, esparramando-se pelo chão. Olha, me ouve e acena com a cabeça que sim. Imediatamente, levanta-se e senta-se em outra poltrona, ao meu lado. Olha-me nos olhos, fixamente. Sinto-me intimidado, mas não desvio o olhar. Parece-me um jogo, quem agüenta mais. Ela agüenta menos, e desvia.
A seguir, me diz que me conhece, com ar misterioso. Pede-me meu documento de identidade. Após uma conversa em que tento saber das fantasias relacionadas a seu pedido, acaba me dizendo que tem dúvidas se pode falar mesmo. Quando falamos sobre desconfiança, me pergunta se eu sou traficante. Sinto que devo responder, agora, e não investigar nem interpretar. Digo-lhe que não, não sou traficante. Agora está examinando minha identidade de médico, que eu acabei lhe dando. Pergunto-lhe como através da identidade vai saber se sou ou não traficante. Olha-me surpresa, me diz: "desculpe", e me devolve o documento. Conta-me, a seguir, que um casal, na escola lhe deu balas e era droga. E, essa é a causa de sua loucura. Esta vinheta, que envolve vários aspectos (incluindo controvérsias quanto à técnica), visa demonstrar como agimos, por vezes insolitamente, no nosso contato com pacientes graves.
Quando peguei a folha de papel, não tinha qualquer idéia sobre o que iria ou não fazer com ela, e o fui fazendo, o pensamento vindo a reboque de meus atos. Não tinha a intenção de deixá-la cair, só os pesos, mas ela me escapou junto com eles. Esse ato falho, suponho, revelava que inconscientemente sabia que não eram apenas os conteúdos internos que desabavam, mas era a própria mente que explodia. O jogo seguinte, do olhar, me pareceu um desafio para ver se eu suportava a violência de sua projeção dentro de mim, se eu não desabaria com o "peso" dos seus objetos. Penso que ela se permitiu esse jogo, por estar mais segura quanto a minha força.
Mas, quer saber o que eu farei com ela, se se entregar a mim. Farei como o casal parental, que a engana, que lhe dá leite/balas e depois verifica que são objetos maus, que a viciam e enlouquecem ? Os traficantes podemos ser todos nós: pais e analista. Quando consegue discriminar algo da confusão que está fazendo, me pede desculpas e me explica porque estava desconfiada (alimento envenenado), dando-me uma pista importante.
A seguir, automaticamente, sem planejar, peço-lhe a sua identidade. Fica surpresa e me diz que está com a mãe, na sala de espera. Pergunto se ela não quer buscá-la. Sai e fico esperando. Percebo-me inquieto e me indago se não estou contra-identificado. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma razoável confiança nos meus recursos como analista, curioso em ver o que acontecerá. Volta com o documento. Leio o nome do pai e da mãe, em voz alta, e indago sobre eles. No momento em que viro o documento, defronto-me com sua foto. Paula o arranca bruscamente de minha mão, se levanta e corre em direção à porta. Abre-a e diz: "vou embora". Reajo imediatamente: "volta aqui, Paula". Ela fecha a porta e volta, mansa. Pergunto-lhe o que aconteceu, porque me arrancou a identidade. Responde: "porque você começou a falar de meus pais. Querem tirar-me de meus pais". Neste momento Paula está olhando para o chão, assustada e algo envergonhada. Continuamos a conversa: conta-me que alguém quer roubá-la dos pais para que seja empregada. Fala de sua empregada, que é uma vampira. Tem dentes longos, cabelo esticado, sai sangue de sua narina. Atravessa portas à noite e chupa seu sangue. Mostra-me o pescoço, onde teria sido mordida. Diz que a grande esperteza da empregada vampira é enganar os pais, eles não acreditam na filha. O único aliado que tem, às vezes, é o pai.
Quando fala do vampiro, gesticulando, deixa cair as costas de sua mão sobre a minha mão. Instintivamente a ia retirando, quando percebi. Mantive a minha mão sob a dela e tive a sensação de algo erotizado. Após longos segundos ela a retirou. Encerro a entrevista, sentindo que ainda não devo interpretar, e digo que quero vê-la de novo amanhã. Concorda. Fico de pé examinando minha agenda, de costas para ela. Ela se levanta e fica do meu lado. Encosta seu corpo ao meu, como que sem perceber. Ao mesmo tempo, pega de minha mesa um livro sobre sonhos e fantasias, e o folheia. Havia outros livros, de mais fácil acesso. Pede que lhe indique alguma leitura. Digo que amanhã falaremos disso. Penso que ao pedir-lhe seu documento estava sinalizando que queria investigar, junto com ela, o seu problema de identidade, que ela queria/temia deixar dentro de mim. Ao indagar sobre seus pais, tentei discriminá-los e discriminar-me para ela. Mas, essa discriminação a aterrorizou, e isso emergiu quando ia ver sua foto. Não queria que nós a víssemos individuada, mas também fragmentada. Se se desprende, sente que a estou roubando dos pais, da relação fusional. Recupera-os, excluindo-me bruscamente, correndo em direção aos pais concretos, para refazer a fusão.
Quando a chamo, sem vacilar, me sente capaz de conter seus terrores. Pode falar-me dos perigos de perder-se dentro de mim: ficará submissa, perderá sua identidade, será empregada. As empregadas, submissas, com muito ódio dos patrões os atacam oralmente, sugando seu sangue, esvaziando-os porque se sentem desesperadamente vazias. Ela é, ao mesmo tempo: a empregada vampira que vampiriza os pais e o objeto do vampirismo dos pais, dentro do jogo projetivo-introjetivo. Esses mesmos pais, no entanto, são protetores. Quando nomeia o pai, mostra um esboço de discriminação da relação entre os pais, possivelmente também vampiresca, em sua fantasia. A sua mão sobre a minha e sua insinuação com seu corpo, indicam a tentativa de sexualização da relação oral agressiva com o analista. Mas, também me solicita que a proteja, a contenha, como uma pele. E, através dos livros, solicita boa alimentação para seus sonhos e fantasias.
O material clínico acima foi escolhido também com o objetivo de subsidiar a idéia de que o analista deve observar, cuidadosa e minuciosamente, as reações a seu suporte, compreensão, continência, ou qualquer outro procedimento, pois será o paciente que nos fornecerá elementos, por vezes instantâneos, quanto à direção adequada ou falha de nossa atividade, possibilitando sua correção ou mudança de rumo. De nossas novas atitudes, outros fenômenos surgirão, e o processo se desenvolve com ensaios, erros, acertos, compreensões, incompreensões contornáveis, e impasses. Estes últimos implicam na estagnação do processo e existe um conhecimento razoável sobre fatores envolvidos que, examinados cuidadosamente, podem ser desfeitos com o trabalho psicanalítico (ROSENFELD, 1987; ETCHEGOYEN, 1987; FERRO, 1993, STEINER, 1993). Neste trabalho proponho a existência de outra categoria de impasse, que não responde aos procedimentos analíticos. Será denominado “impasse necessário”.

2. O IMPASSE NECESSÁRIO


Proponho que, por melhor que seja o analista ou o processo analítico, a psicanálise pode não ser suficiente para controlar a explosão psicótica. Evidentemente, o paciente psicótico está constantemente nos forçando a sair da situação analítica, através da violência e qualidade de suas identificações projetivas, que nos produzem confusão, medo, impotência, raiva, ódio, e outros sentimentos intensos, podendo desorganizar-nos mentalmente e impedindo que pensemos. Compreender, esclarecer, conter, interpretar esses aspectos, e sem que o analista esconda de si mesmo suas reações e sentimentos, é o que ocorreria “no melhor dos mundos”. (11)
Como não vivemos nele, por vezes nos defrontamos com situações em que as atitudes acima não são possíveis ou suficientes. Essas situações podem envolver, entre outras, ansiedades terríveis de desintegração, atuações violentas auto ou/e heterodestrutivas, manifestas, ou potenciais, etc., que não respondem aos procedimentos analíticos, por mais que se tente. Nessas fases, após uma minuciosa investigação sobre o que está ocorrendo na dupla (investigação essa que, em alguns momentos, emergenciais, só pode durar alguns segundos, não sendo possível apelar para supervisão ou análise pessoal), o analista e, por vezes, a dupla, percebe que, para além da compreensão ou incompreensão de eventual estagnação, urge a necessidade de auxílio de outras áreas do conhecimento que não a psicanálise.
Proponho chamar este fenômeno de impasse necessário, e utilizo esse nome porque sinaliza aquela necessidade. Por isso, costuma ocorrer em duplas bem constituídas, que podem perceber o que está ocorrendo. Se isso não acontecesse estaríamos frente a um impasse estagnante ou que resultaria em situações descontroladas, por vezes extremas. Frente ao “impasse necessário” o analista ou a dupla concluem que o processo analítico deve ser interrompido, provisoriamente. Essa interrupção pode ocorrer por minutos, horas ou dias. O
analista deverá expor ao paciente o que percebe que está ocorrendo, e discuti-lo. Por vezes a dupla poderá solicitar auxílio da família ou da equipe de saúde mental de retaguarda. O paciente poderá ser medicado, internado, ou necessitar outros procedimentos não analíticos.
Em outro trabalho (CASSORLA, 1996) descrevi uma paciente melancólica, já beirando restituições alucinatórias e delirantes, que despertou fortes sentimentos contratransferenciais relativos a morte e suicídio. A analista, após uma longa pesquisa e reflexões cuidadosas sobre suas próprias fantasias, pensou que seria muito perigoso continuar o processo, que parecia paralisado. A decisão definitiva ocorreu quando alucinou cheiro de formol e lembrou-se das autópsias em seu curso médico (sensações corporais contratransferenciais). Disse claramente à paciente que queria conversar com ela, agora não mais como analista. A paciente, paralisada, como que despertou. Em seguida a profissional mostrou o impasse e exigiu que a analisanda procurasse ajuda psiquiátrica, ainda que esta a desprezasse. Acabou concordando, contrariada. O episódio permitiu que o processo saísse da paralisia. Tempos após, a paciente não mais melancólica, lembrou-se do fato, colocando sinceramente que fora a firmeza da analista que “a impedira de matar-se”, demonstrando sua gratidão.
De minha experiência como analista e supervisor, a interrupção do processo analítico, devido ao impasse necessário, é sempre benéfica, ao se retomar a análise, quando se trabalham as fantasias que não o puderam ser naquele momento. Desvelam-se também as conseqüências da interrupção. O paciente costuma sentir reconhecimento por verificar que seu analista foi rápido e compreensivo, percebendo a impotência do seu método e podendo apelar para outros.
Introjeta-se, assim, um objeto anti-onipotência. Verifica também que não destruiu seu analista ou a análise, e que não houve rejeição por parte do profissional. Penso que isso decorre da percepção inconsciente do paciente da necessidade do impasse e da força do analista, que não se intimidou frente às dificuldades, podendo utilizar todos os recursos necessários.
Uma colega passou a sentir-se preocupada com a possibilidade de um surto, num paciente grave, face a fortes sentimentos contratransferenciais e outros sinais que o paciente enviava. Logo percebeu que isso estava relacionado às futuras férias analíticas, quando ela viajaria por um tempo longo. As vicissitudes transferenciais e contratransferenciais iam sendo adeqüadamente trabalhadas, mas a sensação de perigo continuava persistente. Passadas algumas semanas, já próxima a viagem, surpreendeu-se quando o paciente lhe confessou que vinha pensando se não seria melhor ficar internado até a volta da analista. Era exatamente a mesma idéia que estava assomando, ainda que nebulosa, na mente da colega e que, nesse momento, ficou clara. Foram trabalhadas as fantasias envolvidas, por algumas sessões, e descobriu-se que o paciente vacilara em falar sobre sua idéia para que ela não se sentisse incapaz e isso atrapalhasse suas férias. Essa não-comunicação também embutia fantasias agressivas e de retaliação que coexistiam, cindidas, e foram trabalhadas. Ainda assim, o trabalho subseqüente da dupla concluiu pela internação, reforçado pelo psiquiatra do paciente, que independentemente, pensara o mesmo. Retomada a análise, novos elementos surgiram, a internação tendo sido bastante útil na compreensão de aspectos do funcionamento mental do paciente, da dupla e da própria analista.
Evidentemente, quando possível, um paciente internado deve continuar sendo
analisado, o analista indo até o hospital ou o paciente sendo trazido ao consultório. Isso implica na necessidade de termos equipe e instituição de retaguarda com visão psicanalítica.
Em algumas ocasiões emergenciais, o próprio analista terá que fazer algo para proteger o trabalho analítico, o paciente e a si mesmo. Essas atitudes, não analíticas, têm que ser o mais transitórias possíveis, e deverão ser objeto de compreensão posterior. Por exemplo, se me sinto incapaz de continuar a trabalhar analíticamente face a ameaças reais ou potenciais de um paciente, fruto de seu terror incontrolável, devo dizer-lhe que, ainda que não saibamos o
suficiente sobre o que o leva a isso, o processo analítico deve ser interrompido, neste momento,e teremos que procurar outras formas de auxílio. Devo explicar-lhe o porquê, detalhadamente, o analista tentando fazer-se compreender. Por mais perturbado que o paciente esteja, alguma compreensão sempre ocorrerá e dependerá, por vezes, menos do conteúdo da fala (a “letra”) do que da tonalidade afetiva (a “música”) com que nos comunicamos com ele. Não custa reforçar que o paciente não deve sentir-se acusado por algo que ele (nem o processo analítico) não conseguem controlar, mas esse risco ocorre se o analista não estiver atento para suas contrareações.
O analisando também deverá escutar, claramente, que posteriormente o processo analítico continuará, e poder-se-á investigar o que não está sendo possível neste momento.
Caso, na situação descrita, ocorresse uma aparente acalmia, haveria que examinar cuidadosamente o fato. Correr-se-ia o risco dela ser o resultado de sentimentos de intimidação super-egóica por parte do analista, ou de controle deste pelo paciente, que o invadiria com identificações projetivas maciças. Se o analista se visse prestes a usar a fórmula: “agora que v. ficou calmo, podemos continuar o processo analítico”, ele deve saber que contra-reagiu sadicamente, não aproveitando produtivamente o impasse necessário, ou ele era “desnecessário”. Evidentemente, o paciente reintrojetaria o expelido, potencializando seu desespero. A situação descrita assinala possibilidades e cuidados que temos que tomar frente à complexidade dessas situações.
Outro exemplo: o analista pode sugerir ou solicitar a um paciente desestruturado, que espere até que venham buscá-lo, não permitindo que ele vá embora sozinho, ao mesmo tempo que continua pensando sobre o que ocorreu na relação para deixá-lo nesse estado. Pode também ampliar o tempo da sessão, sugerir ou aceitar a solicitação de sessões extras, não previstas no contrato. Conversar com a família, orientá-la, etc., são outras atitudes que podem ser necessárias.
Enfim, nessas situações, usamos procedimentos não analíticos, como aconselhamento, sugestão, apóio, contenção, no intuito de recuperar as condições para o prosseguimento do processo, esgotados os recursos da psicanálise. O ideal é poder efetuar esses procedimentos sem perder a visão analítica, prestando atenção nos fenômenos transferenciais-contra-transferenciais, mas isso nem sempre é possível no momento do impasse, face à intensidade e qualidade dos fenômenos que estão ocorrendo (12).
Os procedimentos que se seguem ao impasse necessário devem ser efetuados de uma forma tranqüila e, para isso o analista tem que estar suficientemente seguro sobre o que está ocorrendo. Como assinalado, deve explicar-se ao paciente que a ação visa proteção da vida e/ou do processo analítico. Uma intervenção adeqüada implica em que o analista se coloque como alguém potente, mas que tem consciência de suas limitações e do seu método, naquele
momento, sem que exista medo desnecessário nem rejeição ao paciente, ficando claro que o processo analítico será retomado logo que for possível.
Em alguns casos, suspeito, o impasse é “necessário” objetivando a correção ou
fortalecimento de recursos enfraquecidos da dupla ou do analista Ele não ocorreria se o vigor da dupla estivesse mantido. Naquelas situações o analista, se humilde, pode conscientizar-se de suas limitações e propor-se a repensar seu trabalho, seus recursos pessoais, e a possibilidade de necessitar auxílio pessoal. No entanto, repito, do ponto de vista teórico, o impasse pode ocorrer
por melhor que seja o processo analítico.
Assim, somos obrigados a admitir que nem sempre é possível diferenciar os impasses necessários dos impasses desnecessários, estes decorrentes de dificuldades do analista. Mas, mesmo os “desnecessários”, como já assinalei, podem acabar sendo úteis, se percebidos pelo profissional, por si só ou em suas supervisões e análise pessoal. O analista, então, pode conhecer-se melhor e desmanchar os nós contratransferenciais13.

3. A PERCEPÇÃO INTUITIVA

Não vou entrar, propositalmente, nas controvérsias que envolvem possíveis definições desses termos, que pertencem a várias áreas do conhecimento. Neste trabalho, será considerada como um fenômeno emocional, em que se tem uma captação ou visão direta e imediata de uma realidade ou verdade.
Entramos numa área perigosa, na qual o próprio FREUD se reservou, como nos seus estudos sobre telepatia. No entanto, tenho verificado, como muitos outros psicanalistas, a existência de fenômenos em que ocorre comunicação primitiva, entre mentes, inexplicáveis pelos modelos de ciência hegemônicos e de forma limitada pela teoria da constratransferência. . Observa-se, também, que esse tipo de comunicação ocorre com mais intensidade, quando predominam processos psicóticos. A literatura sobre o tema, pequena, é bastante cuidadosa e prudente e processos similares ou parecidos ao que estou descrevendo, são chamados de várias formas, por diferentes autores: ressonância afetiva, empatia, comunicação extra-sensorial, comunicação extra-verbal, comunicação inconsciente a inconsciente, sexto sentido, insight, fantasia compartilhada, vivência subjetiva, sintonia, identificação, intuição, imagens intuitivas e mesmo contratransferência como instrumento (DOIN, 1983; PICCINI, 1985; TRINCA, 1988; CASSORLA, 1990). Percebe-se, portanto, que existe confusão, mesmo em relação a alguns termos consagrados. Evidentemente, se utilizamos a concepção totalística de contratransferência, a percepção intuitiva do profissional estará aí incluída. Ela pode ocorrer também no paciente, mas, em última instância, é o resultado da interação paciente-analista, como processo intersubjetivo.
O que diferenciaria a “contratransferência como instrumento” do uso da percepção intuitiva ? Na primeira o analista se sente incômodo, e de alguma forma, observa seus sentimentos, derivados de sua contratransferência inconsciente, os avalia usando seu autoconhecimento, tenta diferenciá-los de conflitos próprios, pode arriscar uma colocação ou interpretação e verifica sua validação a partir das reações do paciente e da dupla. Isso pode durar desde segundos até o tempo de várias sessões, ou ser compreendido somente “a posteriori”, quando o analista revê seu trabalho.
Já na percepção intuitiva o analista sente ou reage a algo, de repente, sem mediação aparente e vivenciado como incompreensível. Quando aproveita o fenômeno para efetuar algum ato analítico, sente-se perplexo. Coexistem dois sentimentos: o de ter entrado em contato com verdades profundas e o sentir-se dominado por forças obscuras e misteriosas. Face à perplexidade, prudentemente costuma ficar quieto, assustado com o que está percebendo ou
sentindo. Por vezes, procura compreendê-lo através da investigação de sua contratransferência, mas costumeiramente fracassa. Por isso o ignora ou o atribui a conflitos próprios aos quais não tem acesso. Em outras ocasiões, o profissional não tem sequer consciência que o fenômeno ocorreu e lhe foi útil, somente o percebendo posteriormente. Espero ir demonstrando, em seguida, que o analista não deve assustar-se com essas percepções, para que possa aproveitá-las produtivamente.
Evidentemente, além de tentar diferenciar sua possível percepção intuitiva de
fenômenos patológicos próprios, o analista que a utiliza deve obter sua validação, observando a seqüência do processo analítico. Com isso confirmará ou infirmará sua percepção e poderá, mesmo, compreender uma eventual atuação obstrutiva.
O paciente psicótico também tem, frequentemente, percepções intuitivas. Elas podem ser relativas a aspectos próprios, por vezes expelidos, e a fenômenos que ocorrem em outras mentes, principalmente na do analista, durante a sessão. Quase todos nós já vivemos situações em que o paciente percebeu fatos sobre nosso estado emocional, do qual sequer tínhamos consciência e postulo que qualquer paciente sabe, de alguma forma, o que ocorre conosco, o
psicótico sendo mais sensível. Algo similar ocorre com outros analisandos, em que o trabalho da dupla atingiu níveis profundos, mas aqui é necessário um tempo longo para que esses fenômenos se manifestem. Possivelmente a intensidade e qualidade das identificações projetivas, em áreas primitivas, psicóticas, permite o esquadrinhamento mais acurado do funcionamento de outras mentes. Acredito que ainda não sabemos o suficiente para compreender esse fenômeno, ainda que me faça sentido a colocação de TRINCA (1988) que os atribui aos “infinitésimos” que ocorrem na relação analítica: linguagem do corpo, do rosto, dos olhos, entonações e modulações das falas, entrelinhas da conversação, etc., e também fatores desconhecidos., “em que pigmentos quase imperceptíveis revelam o embate de imensas forças, que se revolvem, telúricas, no fundo das pessoas e das quais elas próprias, muitas vezes, não se
dão conta”, revelando vitalidade e exuberância criativa da relação analítica. SANDLER (1993), usando outro referencial, propõe a existência de “ressonâncias” captadas pelo analista, derivadas de mecanismos similares à identificação primária freudiana.
Dessa forma, o que estou chamando de percepção intuitiva deve incluir elementos comunicativos atípicos, decorrentes de vicissitudes transferenciais-contratransferenciais, extremamente sutis. Não excluo a possibilidade que, antes que o fenômeno se manifeste, algum tipo de elaboração inconsciente tenha ocorrido, cujos derivados de repente assomam à mente do paciente, do analista ou de ambos.
Penso que isso ocorreu com uma paciente (CASSORLA, 1991) que sentia que estava enlouquecendo. Já vivera a experiência psicótica intensamente, e iniciara a análise em surto. Concomitante com a sensação de loucura, se sentia dominada por uma idéia obssessiva: de que interromperíamos a análise em outubro. Estávamos em maio. Durante meses trabalhamos num ambiente nebuloso, sempre ameaçados pela interrupção fantasiada, quase delirante, frente à qual as pistas que apareciam logo se mostravam insatisfatórias. Vivíamos a ameaça de uma catástrofe, controlada a duras penas. Em determinada sessão o material indicava fantasias de exclusão, ciúme e inveja e, de repente, me vi devaneando sobre o nascimento de minha filha.
Num átimo, me vi tomado pela lembrança de que outubro seria o mês do nascimento, acompanhada de uma sensação plena de segurança, de que tinha decifrado o enigma. Subjacente me vinham idéias sobre ciúme e rivalidade entre paciente e bebê, como motivadores da situação. A perplexidade descrita acima também se impôs. Logo me vi muito preocupado, questionando minha integridade mental. Comecei a investigar perguntado à paciente se ela soubera algo de mim ultimamente. A resposta foi “não”, mas sua fala seguinte foi sobre uma situação de exclusão de uma amiga, efetuada por um colega meu. Em seguida contou-me uma longa história sobre o fim de semana, em que se sentiu extremamente enciumada e rejeitada, frente à pequena filha adotiva de seu marido. A essas alturas, o grau de certeza quanto a minha percepção era sentida como total. Mas, minha razão não aceitava o fato e o questionava. De
repente, sem saber porque (e até hoje não o sei), perguntei-lhe se tinha observado algo diferente em mim ultimamente. Sua resposta foi: “não”. Após um pequeno silêncio, continua, divertida: “só que quando v. abriu a porta hoje e vi tua barriga, pensei: o Roosevelt está grávido”.
Penso que o analista percebeu intuitivamente que a paciente tinha captado algo, que ela também tinha tido uma percepção intuitiva, mais terrorífica ainda por ser-lhe incompreensível. A confirmação, por parte do analista, de que a intuição da paciente relativa à gravidez correspondia à realidade, fez com que seu medo de enlouquecer desaparecesse, após uma descarga emocional intensa, enquanto me agradecia por ter-lhe removido seus terrores sem nome. Penso (e este tema é também controvertido), que o revelar a verdade da intuição deve ser um preceito técnico, principalmente com pacientes psicóticos, ainda que o analista tenha que expor-se, mas prudente e cuidadosamente, e informando somente aquilo que for necessário para o prosseguimento adequado do processo analítico. A validação de que a ligação da intuição com o conceito, tornando-a pensável, evitara o sofrimento psicótico, surgiu não só no material posterior imediato, como no restante do processo analítico, permitindo um aprofundamento nas fantasias que não podiam ser nomeadas. A impossibilidade de pensar seus sentimentos fazia parte dos fenômenos psicóticos da paciente e o episódio descrito permitiu o refazer vinculações.
Como ampliação do conceito abordado acima, e interpenetrando-se com fenômenos transferenciais-contratransferenciais, proponho que também podem ser produtivas determinadas ações (por vezes, dramatizações ou encenações), em que a dupla torna claro em atos, elementos não conscientes. Um exemplo poderia ser o dos pesos na folha de papel, no material de Paula.
Nessas situações, por vezes, podem ser re-encenadas situações traumáticas arcaicas, substituindo a comunicação verbal, que assim são explicitadas. Tanto a percepção intuitiva, como a ação, o “ acting-out”, a encenação, podem ser produtivas, meios de comunicação entre as mentes, e podem ocorrer no paciente, no analista, ou frequentemente nos dois elementos da dupla concomitantemente. No entanto, se a pretensa percepção intuitiva ou ação for produto de fantasias onipotentes, estaremos nos defrontando com as limitações do trabalho da dupla. Ainda que, nesses fenômenos, nem sempre seja possível diferenciar os componentes produtivos dos patológicos, estou convencido que ambos sempre existem como substitutos da capacidade de explicitar o impensável, e, por isso têm uma função comunicativa que deve ser decifrada.(14).
Numa fase mais adiantada da análise de Paula, ela já fora do surto, os.pais resolvem viajar para o exterior. A situação era trazida como conturbada, os pais marcando e desmarcando passagens, parecendo vacilar. Aos poucos percebo que Paula se mostra mais confusa. Numa sessão após um fim de semana prolongado, entra na sala assustada, olhando desconfiada em torno e me pede, aterrorizada, que eu a ajude, que não a abandone. Pega no meu braço, segura minha mão, agitada. Levanta-se e senta-se, anda pela sala. Volta para perto de mim e me agarra. Olha fundo nos meus olhos e repete: "por favor, não me deixe". Vivencio seu pavor.
Quero saber o que a está assustando tanto. Fala, de forma confusa, que ao entrar aqui percebeu que na casa ao lado moravam pessoas que queriam matá-la. Lembro-me que me falara de alucinações e delírios em relação aos vizinhos de sua casa, ocorridos antes de entrar em análise. Esses vizinhos também queriam matá-la e faziam magia negra, de noite, quando ela ouvia ruídos e orações, o que a deixava aterrorizada. Nessas ocasiões os pais lhe davam antipsicóticos e a levavam para seu próprio quarto.
Continuo escutando os detalhes: ela não havia notado antes que os meus vizinhos faziam parte da seita de magia negra, ao lado de sua casa. Continua falando agitada, andando pela sala. E, me pergunta, agora em dúvida. "O sr. acha mesmo que seus vizinhos fazem parte da seita ?". Sinto que preciso responder-lhe e não interpretar. Digo-lhe que não acredito que meus vizinhos façam magia negra, que ela deve estar fazendo confusão. Nesse momento, ela
me diz que a casa deles, dos meus vizinhos, é igual à dos vizinhos de sua casa.
Automaticamente lhe digo que gostaria que me mostrasse as semelhanças. Saímos ambos do consultório, atravessamos o jardim, saímos na rua. Ela vai na frente e eu a sigo. Atravessa a rua, assim podemos ver melhor a casa vizinha e também a minha. Olha para a casa e me diz que, na verdade, ela é diferente do que imaginava. Vemos minha vizinha na janela e Paula parece que aceita que se enganou. Sinto que agora está calma. Começa a falar-me que
está assustada com a viagem dos pais. Acha que eles devem ir, mas teme ficar com muita saudade e piorar. Sua fala é coerente, acabou o terror. Senta-se na grama. O dia está muito bonito, convidativo para tomar sol. Pergunto-lhe se quer ficar aqui ou prefere entrar no consultório. Diz que, se eu não me incomodar, seria bom tomar sol. Acho sua proposta coerente com o que eu estava sentindo e fico ao seu lado. O restante da sessão ocorre ali. Falo-lhe do medo que tem de que eu a abandone, junto com seus pais. Isso lhe traz lembranças da infância, da avó querida que morreu, e de outras situações de perda e luto. Emociona-se. Agora estou frente a uma pessoa não psicótica, lidando com lutos. Falo-lhe também de minha casa (que está à nossa frente) e do desejo que ela tem de ficar comigo, com minha família, quando seus pais viajarem. Ela concorda e fala dos meus filhos, de como imagina que eles devem ser felizes e bem tratados. Penso que nesta sessão Paula me ajudou, criativamente, estimulando-me a defrontá-la com a realidade externa, a discriminar (função necessária, com estes pacientes, que vivem estados confusionais). Mais importante, no entanto, penso que foi o fato de que, ao acompanhá-la e ir à rua, isso a fez sentir-se protegida: tem com quem enfrentar seus objetos assassinos, alguém que não tem medo e a quem pode entregar-se. As alucinações tinham a ver com fantasias arcaicas, ela sendo evidentemente esse bebê ameaçado, e futuro ser diabólico. Os objetos e fantasias terroríficas foram mobilizadas pelo fim de semana prolongado e pela viagem dos pais, que de idealizados passam a diabólicos, atacando um bebezinho desesperado e impotente. O deslocamento para meus vizinhos tenta poupar o analista e sua família (como antes projetava nos vizinhos de sua casa o que imaginava que ocorria no quarto dos pais).
Recupera-me como objeto bom e me convida a dividir com ela o prazer do sol-objeto bom, protetor e carinhoso. Assim cuidada, pode lidar com suas perdas e lutos, incluindo o não poder ter-me totalmente. Pode tolerar que tenha outros “filhos”, ainda que de uma forma algo idealizada.
Concluindo este ítem: penso que a unidade transferência-contratransferência se constitui num fenômeno extremamente complexo, que envolve alguns aspectos razoavelmente compreensíveis mesclados com outros, ainda desconhecidos e misteriosos. Entre estes últimos se encontra o que chamei percepção intuitiva. Ela foi colocada neste texto por dois motivos: 1. pela sua presença freqüente, em análise de psicóticos, ora assustando o analista, ora servindolhe de auxiliar para compreender e vivenciar os fenômenos de comunicação primitiva, e, em outras ocasiões passando desapercebida, misturada com outros fenômenos contratransferenciais. Possivelmente a última alternativa é bastante comum. 2. pelo seu caráter polêmico, próprio para ser discutida em reuniões científicas.

4. A PESSOA REAL DO ANALISTA

Em situações em que pessoas em surto, ameaçam matar-se (por ex., jogando-se de uma ponte), a experiência tem demonstrado que terapeutas, qualquer que seja a teoria ou técnica que utilizam, fracassam mais do que leigos, no convencer o potencial suicida a não matar-se. Isto nos mostra que a interação humana, também nessas situações extremas, depende de características pessoais, individuais, do agente terapêutico, mais do que de suas características profissionais ou formação teórica.
Refiro-me à pessoa real do analista, quando considero as tendências e identificações que pertencem ao analista e a seu desenvolvimento pessoal e tornam seu trabalho diferente em qualidade do de qualquer outro analista (WINNICOTT, 1947) (15). A pessoa real do analista inclui suas características únicas como pessoa, sua personalidade, aspectos de sua experiência, e seu comportamento na sessão analítica que vai além da interpretação e esclarecimento (VIEDERMAN, 1991). A forma de diálogo da dupla depende também de elementos únicos do analista. O tipo e grau de envolvimento com o paciente aparece no tom de voz, na maneira de intervir, no “ timing” e propriedade das suas colocações, na distância ou proximidade emocional.
Já FREUD (1922) assinalava que as partes que o paciente projeta no analista não ocorrem no ar, “mas deixam-se guiar por seu conhecimento do inconsciente e deslocam sobre o inconsciente do outro a atenção que substraem de seu próprio inconsciente”. HOFFMAN (1983) leva isso adiante: “se o paciente projeta partes de si-mesmo, projetará aquelas partes que tenham algo a ver com a realidade do analista na interação ‘aqui-agora’ com esse paciente em particular”. Outros autores têm se debruçado sobre o tema, por ex., GIOVACHINI, 1975; EPSTEIN E FEINER, 1979B; THOMÄ & KACHËLE, 1992 (16). Desejo acrescentar algo mais: a contratransferência como instrumento e a percepção intuitiva se somam ao que chamarei espontaneidade, algo que vem de dentro do analista, de sua própria personalidade e criatividade, estimulado ou não pela relação com o paciente, mas que iria além da contratransferência. Um modelo similar corresponderia ao conceito bioniano de “ rêverie” materno, ou o winnicottiano de “mãe suficientemente boa”: ele dependerá não somente da estimulação pelo bebê, mas, principalmente de condições e capacidades próprias da mãe, que nada têm a ver com o bebê. Repito: algo íntimo, que pertence somente ao analista, está em jogo no processo. Podemos incluí-lo na acepção totalística de contratransferência, mas como é algo próprio, que independe do outro, a adjetivação “contra” me soa mal. Não é fácil descrever quais seriam as características adequadas próprias do analista, ainda mais aquele que lida com pacientes severamente perturbados. ZIMMERMANN (1995) garimpa na obra de BION as características desejáveis a um analista: identidade analítica, amor
à verdade, capacidade de ser continente, capacidade de premonição, ou pressentimento, paciência, capacidade negativa, capacidade de intuição, capacidade de empatizar, comunicação, capacidade de discriminar, ética, respeito e coragem. Penso que muitas dessas características podem ser desenvolvidas na análise do analista, mas suas variações e outras dependem dele mesmo, a análise podendo reforçá-las ou, se mal efetuada, até obstruí-las. Este último caso vemos quando terapeutas potencialmente corajosos saem de suas análises acovardados, seguidores de receitas e fanatizados por teorias ou pessoas idealizadas.
Proponho que espontaneidade, interesse genuíno, criatividade, capacidade de sonhar junto com o paciente, generosidade e coragem, devem fazer parte das características reais do analista, além do contato profundo e produtivo com seus próprios aspectos arcaicos. Essas características são ainda mais importantes no trabalho com psicóticos, que captam a máscara de frialdade ou de proteção do analista. Penso que se este não tem as características acima, em
grau suficiente, o processo analítico fracassará ou ficará estancado, porque o paciente o perceberá. Lembremo-nos de ROSENFELD (1987) no início de sua vida profissional, conversando com pacientes psicóticos, sem conhecer psicanálise, e fazendo catatônicos emudecidos falarem. Muitos dos leitores, certamente, já viveram algo similar, que só pode decorrer de características pessoais do profissional.
Resumindo, penso que os analistas se diferenciam também pela sua “forma de ser”, e graças a ela teremos mais ou menos facilidade com determinado tipo de paciente, ou com aquele analisando em particular. Evidentemente, ao valorizar a pessoa real do analista, continuo considerando a transferência-contratransferência como elemento básico do processo analítico e será principalmente através das interpretações e outros procedimentos, que o paciente conhecerá a “forma de ser” do profissional. Certamente, um analista com as características descritas facilitará que fenômenos psicóticos possam emergir, visando transformação produtiva.
Há ainda outro ponto importante, ligado a este ítem: a necessidade do analista saber proteger-se de dano mental. Ele tem que estar alerta para o fato de que trabalha num ambiente insalubre, e que deve saber cuidar-se, abandonando alegres fantasias de onipotência. Não tomar mais que o número de pacientes graves que dê conta, naquele momento de sua vida, é básico.
Assim, como efetuar constantemente “reciclagens” do principal instrumento de trabalho: seu inconsciente. E, lembrar-se sempre que a vida não se reduz à psicanálise: se isso acontecesse, poderíamos efetuar a hipótese de ela estar sendo usada, defensivamente, para evitar contato profundo com o mundo mental do profissional, a aparente “normalidade” escondendo aspectos psicóticos.
Insalubridade e potencial dano mental me fazem trazer Marcelo, um paciente preso de ansiedades confusionais, que ataca permanente e violentamente o analista e a função da dupla. Em determinada fase de sua análise passou a afirmar, obsessivamente, que “no final todos nós morreremos”. Depois de muitas sessões consegui identificar um padrão: a frase era dita depois que eu lhe assinalava algo que, em minha opinião, poderia expandir seu universo mental. Com essa colocação ele matava, instantaneamente, minha fala. Passei a mostrar-lhe isso. Ainda que efetuasse algumas pobres associações sobre o fato, a frase continuava presente. Obviamente, eu concordava com ele, que no final todos nós morreríamos, e nunca a havia questionado em seu conteúdo. Mas, aos poucos, me percebi não suportando mais ouvi-la, sabendo que minhas intervenções de nada valeriam. Isso foi logo ampliado para o paciente, como um todo, e passei a sentir um mal-estar aversivo quando se aproximava a hora de sua sessão. Mesmo contando com o auxílio de colegas na apreciação do caso, parecia que minha mente estava limitada, ou danificada, e o trabalho já se aproximava de algo torturante. Considero essas situações altamente desafiantes, mas, naquela fase, me percebia paralisado e culpado pela minha desesperança frente ao desafio.
Aos poucos, e penosamente, pude perceber que Marcelo, insistentemente, me obrigava a defrontar-me, de várias maneiras, com ansiedades e defesas relacionadas a minha própria morte. Não por acaso, nessa fase da análise, eu estava vivendo situações reais de perdas e lutos, que, imaginava não estarem interferindo demasiado em minha forma de trabalhar. Estou certo que o terror de Marcelo relativo ao tema (tanto a morte concreta como a morte mental), eliciou dificuldades do analista, e assim, em várias situações havíamos fugido de um maior contato com esse terrível fenômeno. Falávamos, sim, de várias “mortes” metafóricas, mas, fugíamos da “morte” em si mesma, como finitude da vida, concretamente sentida. Suponho que Marcelo captara esses aspectos obstrutivos no analista. Assim, ao mesmo tempo que tentava sadicamente massacrar-me e encenar a morte da análise, me fornecia pistas, que poderiam levar-me a aperfeiçoar instrumentos para “digerir” algo mais de meus terrores, e, consequentemente auxiliá-lo com os deles. Faz parte de qualquer processo analítico que pacientes ajudem o analista, para que este possa trabalhar melhor, mas isso é mais claro e profundo quando lidamos com aspectos psicóticos. Para isso, o analista tem que desembaraçar-se do emaranhado contratransferencial.
Possivelmente já vinha elaborando inconscientemente meus terrores a partir dessas pistas, quando um dia, conversando “por acaso” sobre a situação com um colega que sabia do paciente (17) (e, essa é uma ajuda que usamos sem perceber, e que denomino “supervisão informal”), ouvi como sugestão brincalhona que dissesse a Marcelo que eu não morreria. Achei divertida a idéia, mas estava certo que tanto eu como meu colega nunca diríamos isso. Mas, na sessão seguinte, logo que a frase apareceu me surpreendi dizendo-lhe que eu tinha pensado nessa sua afirmação (de que no final todos nós morreríamos) e chegara à conclusão que não tinha certeza de que eu morreria. Acrescentei, mais surpreso ainda: “pode ser que nós pertençamos a uma mutação da espécie, que não morrerá. Não posso provar que nós não vamos morrer, mas v. tampouco pode provar que nós vamos morrer”.
A reação de Marcelo foi impressionante: gritava “nós vamos morrer”, “nós vamos morrer”, “o sr. sabe disso”. Disse-lhe que ele achava que eu estava louco e que isso o deixava tão desesperado quanto o fato de depender de mim, ele sentindo-se louco por não poder viver sem mim. Essa linha interpretativa não era nova, mas, desta vez ficou num longo silêncio elaborativo, e me disse, bem humorado, que eu “o tinha pego de jeito”, seguindo-se associações produtivas. A frequência dessa frase (“nós todos vamos morrer”) foi diminuindo e praticamente cessou em algumas semanas. Após algum tempo, o diálogo analítico já menos perturbado, ela foi substituída por algo mais evoluído, ainda que persistente: ele me fantasiava morto, de morte natural, enterrado, ele dançando em cima de meu túmulo. Montava uma barraquinha de limonada, ao lado, que seria vendida aos visitantes. Estes fariam fila para comprá-la. Pelo número de visitantes, ele me considerava uma celebridade... Com esses dados e outros, foi possível mostrar-lhe, cuidadosamente, sua destrutividade invejosa associada a uma necessidade desesperada do analista idealizado. Concomitantemente a comunicação simbólica e metafórica se tornou menos difícil e o processo, antes estancado, passou a movimentar-se, ainda que com dificuldades consideráveis.
Na situação descrita foi necessário passar por momentos de formato maníaco, efetuando-se intuitivamente algo similar a uma “redução ao absurdo”. Isso permitiu a quebra da organização estagnante, trazendo à luz ansiedades terríveis, que permaneciam escondidas.
Posso supor que o diálogo analista-colega estimulou aspectos inconscientes do profissional, facilitando-lhe condições para a ruptura do impasse. Esta última vinheta, relativa a cuidados pessoais que o analista deve tomar, complementa aspectos já assinalados acima. E enfatiza dúvidas e limitações com que nos defrontamos no trabalho com esses pacientes. Outras situações em que o autor vem limitando o processo, por suas deficiências, podem estar ocorrendo. Existe sempre a esperança que as perceba, com a ajuda dos pacientes e de seus colegas. Com isto, proponho que não considero que exista analista imune a dano mental eliciado por paciente grave, por mais profundas que tenham sido suas análises pessoais. Evidentemente, esta proposta é discutível, pois pode decorrer da necessidade do autor sentir-se bem acompanhado. O desejável é poder aproveitar esses momentos de falência, produtivamente, o que nem sempre é possível.

6. CONCLUSÕES

Vou terminar este trabalho fazendo um resumo de como vejo a psicanálise atual, baseando-me nas idéias de ALVAREZ (1994).

1) A ênfase no presente da relação analítica, torna o trabalho muito mais interessante e infinitamente mais vivo. "A imagem popular do analista-cientista com um zíper na boca", distante e indiferente, não mais cabe. Melhor comparação é a de um músico experiente, mas que improvisa constantemente, e, que deve viver e aprender a partir da experiência sentida.
2) São pouco úteis explicações sobre o que teria ocorrido, no passado, com o paciente. A corajosa escuta receptiva, assim como uma atitude firme em relação às projeções terríveis, isto é, à desesperada necessidade do paciente de fazer conosco aquilo que sentiu lhe ter sido feito, é o que ajuda (18). A oportunidade de que ocorra algo novo, dentro do paciente, é importante. E, para isso o analista terá que envolver-se emocionalmente. Ou, como assinala FAVILLI (1988), o analista “coloca-se em jogo”, assumindo como base toda sua ignorância sobre esse novo relacionamento, suas chances dependendo de seu grau de liberdade em jogar com seu parceiro-paciente.
3) Deve-se tolerar a não compreensão e tomar consciência dos próprios sentimentos em relação ao paciente, e suas mudanças de momento a momento. O objetivo será tornar pensável o que não era, e para isso "fragmentos pré-digeridos", ou pior, "fragmentos indigestos" de explicação psicanalítica não funcionam.
4) Com pacientes graves grande parte de nosso tempo é usado na tarefa de auxiliá-los a aprenderem coisas como contenção, autocontrole, reflexão. O analista tentará manter o equilíbrio entre ficar suficientemente em contato com o paciente, e ficar afastado o suficiente para poder pensar.
5) Não mais se utiliza o velho esquema da gangorra, na teoria psicanalítica: um efeito aqui produz uma reação lá. Tudo ocorre num contexto, e se avalia o crescimento, que ocorre não a partir de mecanismos, mas sim de processos. Existe, por exemplo, um processo iterativo entre "self" e objeto que possibilita a emergência de elementos genuinamente novos: por exemplo, o "self" projeta algo dentro de um objeto. Este o transforma. O "self" pode reintrojetá-lo, com outra modificação. E, uma nova reprojeção será algo mais uma vez modificado. Ocorre, portanto, uma espiral ascendente. E, em casos patológicos pode haver estagnação ou deterioração.

Reforçaria as considerações acima, lembrando que: a) Devemos trabalhar visando ampliar a possibilidade de significados. De nada nos adianta explicações que fechem para novas questões, lembrando que a resposta “definitiva” aborta a investigação. A conversa entre analista e paciente (que inclui interpretações, mas não se reduzem a elas) amplia o universo mental, e também cria um universo novo, não se limitando a revelar algo que estava escondido, “mas ao tornar visível representações mentais de situações emocionais re-articula significações de planos simbólicos distintos abrindo novas possibilidades vivenciais” (BARROS, E.M.R., 1997); b) Relembrar que normas técnicas são instrumentos utilizados para facilitar o processo analítico e a conseqüente expansão do mundo mental. Se atrapalharem, devem ser questionadas, sem que se perca o vértice analítico. O “ setting” não pode ser uma moldura rígida onde paciente e terapeuta esbarram, mas uma película contensora, suficientemente flexível para conter os fenômenos que ocorrem, sejam quais forem sua expressão (BARROS, I.G., 1987). Penso que o “setting” mais importante é o mental, o temporal e espacial sendo auxiliares daquele. A rigidificação costuma associar-se ao uso defensivo de teorias, que costumam esconder a dificuldade em tolerar o desconhecido, forçando “conhecimentos” falsos.
Concluíndo, minha esperança é que as reflexões que trouxe neste trabalho despertem dúvidas, controvérsias e oposições. Ainda sabemos muito pouco sobre fenômenos tão complexos como aqueles com que a psicose nos defronta. E, para que ocorra fertilização e desenvolvimento, tanto no plano biológico, como no mental, a diferença é essencial.

SUMMARY

PSYCHOANALYSIS AND PSYCHOTIC BREAKDOWN: CONSIDERATIONS ABOUT TECHNICAL ASPECTS

The paper aims to discuss technical aspects in psychotic patients’ psychoanalysis, mainly in a breakdown. At first, some vicissitudes of the analytic double facing the psychotic cataclysm are described. Some necessary characteristics of the analyst’s mind are emphasized, which allow it to be receptive to the invasion of mental wreckage, experiencing them, so as to rebuild them. The interaction between catastrophe and the analyst’s mind leads to some controversial technical problems. The following are discussed: 1) The “ necessary impasse”, a situation in which psychoanalysis wouldn’t be able to handle the process, and would have to rely upon other areas of knowledge. We demonstrate the usefulness as a tool for getting deeper into the analysis in the future. 2) The “ intuitive perception”, a communication between minds without mediation, which allows a deep contact between the analytic double. 3) The analyst’s real person, where is proposed that each analyst has its own “ way of being”, something that goes beyond his/her personal analysis. That “ way of being” can make the contact with certain patients more difficult or easy. We also call the attention to the need of the analyst take care of his own mind.
The paper is concluded by the description of current psychoanalysis’ characteristics, giving more emphasis on the double freedom, spontaneity and creativity, to the detriment of the hardening of the technique, which usually leads to forced theoretical fittings and to the devitalization of the process


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Notas



1Trabalho para discussão no Painel “Patologias Graves”, do Congresso Brasileiro de Psicanálise, 1999, Rio de Janeiro. Versão modificada de “Psicanálise do surto psicótico e surto psicótico durante o processo analítico” apresentado no II Encontro Latino-Americano sobre Patologias Graves e “Standing Conference on Psychosis - IPA”, promovido pela SBPRJ em junho 1998.


2Membro Efetivo e Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.


3Portanto, basicamente, não utilizo mudanças técnicas relevantes, ao lidar com esses pacientes.


4Aqui se espelham idéias como as “campo”, desenvolvida por vários autores, e o conceito de “terceiro analítico” de OGDEN (1994)


5Uma revisão inestimável sobre a evolução do trabalho com psicóticos pode ser encontrada em ROSENFELD (1988). Infelizmente não são resenhados valiosos colegas brasileiros e latino-americanos, devido a nosso isolamento ou por serem posteriores. O Caderno do Departamento de Investigação Psicanalítica das Psicoses, da SBPRJ, vem se constituindo numa fonte oportuna, onde eles estão sendo retomados por colegas que vêm se dedicando ao tema.


6O conceito, mais amplo, de objeto enlouquecedor é de BADARACCO (1985)


7O aspecto levantado nos remete ao controvertido conceito de “ acting-out” ou atuação. O psicótico se comunica basicamente dessa forma, os elementos sendo “atuados” na relação analítica (através de descargas em atos ou palavras), já que o paciente não tem condições de pensá-los (elementos beta para BION, 1962). Acredito, como tantos outros, que se trata de um meio de comunicação de fenômenos mentais que podem tanto atrapalhar como auxiliar o processo analítico, uma das formas como a transferência se manifesta. Devido ao uso pejorativo e à extensão do termo para situações extra-analíticas, tem se perdido o componente produtivo do fenômeno, o que mais nos importa.


8KENNEDY (1990) enfatiza o aborrecimento do analista e a sensação de morte do processo. Não chama a atenção para o medo e situação de ameaça sentidos pelo profissional. Penso que o aborrecimento e sonolência, podem ser formações reativas, ou cisões, utilizadas para não entrar em contato com o cataclismo que se aproxima.


9Chamo suporte à capacidade do analista e da equipe de saúde de proporcionarem ao paciente um ambiente acolhedor para seus terrores, não se deixando atemorizar, aceitando o paciente da forma que ele pode ser e podendo transmitir confiança, segurança e esperança. Os conceitos winnicottianos de “holding” e “ handling” se superpõem ao que estou descrevendo.


10FERRO (1995) escreve: “se a decodificação de significado pode ter (ou ter tido) sentido para as partes neuróticas da personalidade, para aquelas partes psicóticas, é somente uma real operação de alfabetização que permite a transformação”. “Alfabetização”(tornar elementos beta em alfa) implica em transformação de identificações projetivas maciças do paciente pela mente do analista (continência), acompanhando os movimentos emocionais e relacionais do par. O autor citado, como vemos, valoriza pouco o conteúdo verbal decodificador, parecendo que o considera como algo intelectualizado. Acredito, entretanto, que interpretações decodificadoras de significado, se cumprem as condições acima (e, isso dependerá da forma e “ timing”), também “alfabetizam”, porque necessariamente devem embutir elementos afetivos e relacionais, resultantes da capacidade de continência.


11Quanto aos sentimentos do analista, WINNICOTT (1949) assinalou, paradigmaticamente: “Se o paciente busca um ódio justificado ou objetivo, ele deve consegui-lo, caso contrário não conseguirá sentir que pode alcançar um amor objetivo”. Para tal, é imprescindível que o analista tenha liberdade interior suficiente.


12. Pode-se divergir das soluções propostas e da definição de “impasse necessário”. Não discordaria da afirmação de que apenas se efetuaram modificações técnicas, tentando-se não perder a visão analítica. No entanto, penso que a constatação clara do que está ocorrendo, com nomeação adequada, impede que o analista confunda funções e papéis, não diferenciando procedimentos analíticos de não analíticos ou mesmo anti-analíticos, face à indiscriminação, produto dos aspectos psicóticos em jogo. Penso que o analista deve sentir-se livre para usar qualquer procedimento (mesmo não analítico), se sua experiência mostrar que isso lhe é útil, mas ele deve saber nomear e conceituar o que está fazendo.


13 Deixei de lado, propositalmente, as diferenças entre psicanálise e psicoterapia psicanalítica, assunto também controvertido. Proponho, indo contra as correntes preponderantes, que não existem diferenças entre elas, quando retiramos da chamada psicoterapia analítica procedimentos não analíticos, tais como aconselhamento, sugestão, persuasão, medicação, etc., além de objetivos pré-determinados. Os procedimentos da psicanálise, por outro lado, têm sido enriquecidos por novas vertentes teóricas que possibilitaram sua ampliação. Dessa forma, penso que existiriam, sim, várias formas de ser psicanalista (ou psicoterapeuta) e diferentes graus de profundidade alcançados pela dupla, decorrentes da forma peculiar como ela se constitui e trabalha.


14 Dramatização e encenação são traduções, não totalmente satisfatórias, do inglês “ enactment”, palavra cuja definição ainda é controvertida. Para alguns (McLAUGHLIN, 1991) o termo passou a substituir “ acting-out” devido a sua confusão conceitual e aspecto pejorativo. Atualmente, tende a chamar-se “ enactment” a comportamentos que envolvem ambos os membros da dupla analítica, por vezes encenando-se situações traumáticas do passado.
Para desfazer a confusão terminológica, ousaria propor o uso do termo “ enactment” para aqueles processos que predispõem a ganho para o processo analítico, mantendo “ acting-out” (expandido para a reação do parceiro, “duplo acting-out”) para as situações que levam a dificuldades e impasses (já que seu sentido pejorativo tornou-se predominante). Evidentemente, nem sempre será fácil separar os dois aspectos, que têm a mesma origem: repetição ou externalização de elementos não simbolizáveis.


15. FREUD (1937) já nos adiantantava que dentre os fatores que influem sobre o tratamento analítico, podendo dificultá-lo, devem considerar-se também as características de personalidade do analista. Ora, se elas podem atrapalhar o processo, com certeza, também, poderão auxiliá-lo.


16 ROSENFELD (1987) nos mostra que cada analista é diferente e trabalha de modo diferente (p. 66). Por outro lado, o paciente “também fica conhecendo a psique e a memória do analista (...). O estado de espírito do analista, sua capacidade de funcionar bem, é um fator terapêutico essencial na terapia psicanalítica...”(p. 63). E, no final do livro (p. 316), admite que as mudanças na abordagem terapêutica dos psicóticos foram influenciadas não só pelas concepções teóricas, mas por fatores na personalidade dos analistas.


17 Dr. Luiz Meyer


18 Valorizo também lembranças e fantasias sobre o passado, externalizações do mundo interno, e “construções em análise”, aspectos que devem ser visualizados ou explicitados em função do “aqui e agora” relacional.

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