segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Sobre sonhos... (4)


Transcrevo abaixo um pequeno trecho do livro de S. LaBerge, "Sonhos Lúcidos" e que tem conexão com algumas idéias aqui exploradas:



"Parece que sonhar lucidamente exige um equilíbrio entre o desligamento e a participação. Uma pessoa que, quando está so­nhando, fica ligada muito rigidamente a um papel, passa a tomar parte de forma tão profunda que não consegue dar um passo atrás e ver o papel como papel. Ao contrário, uma pessoa rigi­damente desligada participa tão pouco e fica tão "por fora" que não se importa com o papel.

Da minha própria experiência, digo que parece que a parti­cipação é um requisito prático para sonhar lucidamente. Embora de vez em quando eu tenha sonhos em que sou um simples ob­servador, jamais fiquei lúcido em nenhum deles. Praticamente em todos os quase novecentos sonhos lúcidos que registrei, sem­pre estive corpoficado no disfarce costumeiro de mim mesmo. Só em três casos em que percebi que estava sonhando represen­tei papéis que não foram o de "Stephen LaBerge". Essas exceções são interessantes: numa, sonhei que era simplesmente um ponto de luz descorporifiçado; em outra, era um conjunto de louça mágico; e na terceira era Mozart, se bem que só até ter percebido que estava sonhando. Depois senti-me "Stephen no pa­pel de Mozart", um ator representando um papel que eu sabia que era apenas um papel. Mas de algum modo, por trás da máscara, eu não era outra pessoa, era eu. Quanto a isso pode haver diferenças individuais, mas, para mim, estar completamente corporificado (e geralmente no centro da ação) parece um pré-requisito prático para atingir a lucidez no sonho.

Ao mesmo tempo, parece necessário haver um certo grau de desligamento para poder dar um passo atrás do papel de ego de sonho e dizer: "Tudo isto é um sonho". Dizer isso é observar o sonho, pelo menos com uma parte de nós mesmos. Por isso, ficar lúcido no sonho exige também a perspectiva do observador, e com isso o sonhador lúcido parece possuir no mínimo dois ní­veis de percepção diferentes.

Nos meus próprios sonhos lúcidos algumas vezes fiquei per­plexo quando surgiu essa percepção dual. Vamos relembrar o exemplo dado no início deste capítulo: primeiro me ocorreu pensar que, se passasse a ficar lúcido, não teria motivo para ter medo. E um instante depois percebi que estava sonhando.

O fato de o sonhador lúcido perceber que o próprio corpo de sonho não é quem o sonhador realmente é, tem implicações importantes que vão ser retomadas num dos próximos capítulos. Por agora é suficiente notar que tais sonhadores lúcidos percebem que seus egos são apenas modelos de si próprios e param de confundi-los consigo mesmos. "
(...)
O conjunto geral das expectativas que guiam as sensações comuns que temos quando acordados também rege o nosso esta­do de sonho comum. Nos dois casos supomos tacitamente que estamos acordados e com isso as percepções que temos no sonho se distorcem para se ajustar a essa suposição. Como exemplo disso vamos usar o truque de cartas mais famoso da psicologia. Num estudo que fizeram em 1949, Bruner e Postman projetaram numa tela, com muita rapidez, cartas de baralho, pedindo aos assistentes que identificassem o que estavam vendo. Mas a armadilha estava no fato de algumas cartas não serem padroni­zadas, como por exemplo um ás de espadas vermelho. No come­ço as pessoas em estudo viam na carta anômala um ás de copas. Só depois que as cartas foram projetadas a intervalos maiores as pessoas perceberam que havia algo estranho nas cartas não padro­nizadas. Foi preciso fazer projeções ainda mais longas para que a maioria das pessoas percebessem corretamente que as cartas não eram convencionais. Quando receberam alguma pista dos pesquisadores (coisas como "Embora normalmente as espadas se­jam pretas, nem sempre precisam ser") algumas pessoas conse­guiram modificar o que estavam percebendo e ter consciência das cartas heterodoxas já numa exposição muito curta. Mas algumas pessoas, mesmo recebendo a mesma pista, ficaram inseguras e pediram maior tempo de exposição, até que, finalmente, conse­guiram perceber corretamente as cartas.

A analogia com o sonho lúcido é a seguinte: do mesmo modo como as pessoas tiveram a expectativa tácita de que espadas são pretas e copas são vermelhas, também nós, sonhadores, normal­mente supomos que estamos acordados. Quando acontecem coi­sas fantásticas no sonho, como ocorre frequentemente no sono REM, de algum modo assimilamos essas coisas no que consideramos possível. Se por acaso notamos ou sentimos tais coisas como algo incomum, normalmente somos capazes de racionalizá-las. No esquema conceitual (ilusório) de quem está sonhando, a suposição é: "deve haver uma explicação lógica".

Em diversas ocasiões algumas pessoas me disseram que, na mesma noite em que conversaram comigo sobre sonhos lúcidos, tiveram o primeiro sonho lúcido. São pessoas que correspondem aos casos do estudo psicológico que receberam as pistas com faci­lidade: sabiam então que, embora no mundo físico as incoerên­cias aparentes normalmente tenham "uma explicação lógica", às vezes a explicação das anomalias é o que estamos sonhando.
As expectativas e suposições, conscientes ou inconscientes, que você alimenta a respeito de como são os sonhos, determinam num grau admirável a forma exata que os seus sonhos lúcidos vão tomar. Como já disse, isso se aplica igualmente bem à sua vida acordada. Como exemplo do efeito das limitações impostas ao desempenho humano, considere o mito dos dois quilômetros cor­ridos em cinco minutos. Durante muitos anos achou-se impossí­vel correr tão depressa assim. . . até que alguém o fez e o im­possível se tornou possível. Quase imediatamente, muitas outras pessoas foram capazes de fazer a mesma coisa. Havia sido que­brada uma barreira conceitual.

(...)
Desses exemplos podemos tirar duas lições relacionadas. A primeira é que as suposições que o sonhador faz a respeito do que poderá acontecer num sonho lúcido podem determinar total­mente ou em parte o que acontece. A segunda lição é uma es­pécie de corolário, a saber: na fenomenologia do sonho lúcido as diferenças individuais podem ter muito significado."

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